O caso de uma aluna trans da Universidade de Brasília (UnB)que denunciou ter sido expulso do banheiro feminino do Restaurante Universitário nos últimos dias, trouxe à tona uma discussão sobre a regulamentação do uso desses espaços pela população transgênero e travesti.
No Brasil, não há legislação que garanta a mulheres trans o direito de usar o banheiro feminino, e homens trans o direito de usar o masculino. Para especialistas e ativistas da área, a falta de leis neste sentido pode levar a casos de constrangimento, como o ocorrido na UnB no último dia 13.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), de janeiro a novembro deste ano, foram registrados 58 casos de homotransfobia na capital federal. Durante o mesmo período de 2021, foram 61 ocorrências.
Realidade das pessoas trans
Para a assistente social Lucci Laporta, 29, militante transfeminista organizada no coletivo Juntas!, o uso do banheiro feminino não é apenas uma questão de mera identificação, mas também de segurança.
“Nós como mulheres trans usamos esse banheiro, pois vivemos uma realidade próxima das mulheres cis, visto que também lidamos com uma opressão estrutural dentro do espectro da feminilidade [machismo e violência sexual]”, defende Lucci.
A ativista ressalta que aquelas pessoas que se identificam como transgeneras mas não vivem esse tipo de opressão deveriam evitar o uso do banheiro feminino. “As mulheres trans e travestis passam por uma transição justamente para se afastarem do signo pelo o qual não querem ser reconhecidas. Se não passa por transição, não vai precisar das mesmas políticas sociais. Por isso, direitos coletivos não podem ser baseados apenas em autoidentificação, tem que vivenciar a realidade”, explica.
Segundo ela, a melhor solução para a pauta seria tornar banheiros coletivos em indivíduos. “A gente entende que os banheiros coletivos não podem todos ser sem gênero, porque gera uma situação de perigo para as mulheres cis ou trans. O melhor seria adaptá-los para indivíduos, com várias cabines fechadas, sendo monitorados”, alega.
Por outro lado, há quem seja contra o uso de banheiros femininos por mulheres trans e defenda apenas o uso dos sanitários neutros, como é o caso do estudante Marcos*, 22, um homem transgênero que prefere não se identificar.
“De toda a minha vivência em banheiros femininos, eu me sentiria muito incomodado se tivesse uma pessoa com genitália masculina na caixa ao meu lado. Eu só chamo isso de proteção às mulheres. Por outro lado, sei que as mulheres trans, por expressões de gênero, podem sofrer preconceito em masculinos. Mas, em contrapartida, não vejo problema em um homem trans usar o banheiro masculino”, pondera Marcos*.
Pauta parada no STF
A pauta do uso de banheiros públicos por pessoas trans está paralisada no Supremo Tribunal Federal (STF) há sete anos, desde 2015. Dois ministros votam a favor do direito de ser assegurado: Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. O ministro Luiz Fux pediu vista e, desde então, o processo segue sem previsão de voltar para julgamento.
Segundo Cíntia Cecilio, presidente da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil no DF (OAB-DF), no DF há portarias sobre a utilização destes espaços em serviços públicos e há órgãos com regras internas. No entanto, são casos restritos, não havendo lei nacional sobre o assunto.
“A gente continua vendo esse tipo de preconceito. As pessoas têm o direito da autodeclaração, de informar como se identificam sem necessidade de ação judicial. De certa forma, temos uma omissão do Legislativo nessa questão. Temos a criminalização da transfobia, mas não temos nenhuma autoridade sobre o uso de banheiros”, avalia a advogada.
Um especialista reforça a importância do tema ser regulamentado por alguma norma para evitar casos de preconceito. “A UnB, por exemplo, tem banheiros neutros. Há quem ache que isso também pode ser uma forma de descrição. Por outro lado, há quem veja como uma forma de a pessoa trans não correr risco de constrangimentos. O importante é a gente pontuar que a pessoa tem o direito à autodeclaração. É direito da pessoa ser tratada com o gênero que ela entende ser o dela, o nome que ela entende ser o dela, e cabe a nós atendidos”, reforça Cíntia.
Ludymilla Santiago, integrante da Associação do Núcleo de Apoio e Valorização à Vida de Travestis, Transexuais e Transgênero do Distrito Federal e Entorno (ANAVTrans) entende que o assunto é complexo. “Falamos de identidades femininas e de como nossa estrutura é construída dentro do patriarcado e do machismo. Então algumas pessoas acabam se sentindo acuadas por meio de alguns estereótipos masculinos, que são determinados atributos que dizem o que podem ser masculinos”, comenta.
“A gente tem portarias e outras questões que versam sobre as identidades travestis e trans, de como se deve dar no contexto social, mas não temos uma lei quanto a isso. Se temos a alteração de nome, gênero, reconhecimento do nome social, as pessoas já deveriam ser reconhecidas da forma que se identificam, inclusive nesses espaços (banheiros)”, conclui.
Transfobia na UnB
Uma aluna trans da Universidade de Brasília (UnB) denunciou ter sido expulso de um banheiro feminino no Restaurante Universitário, na última terça-feira (13/12). Ela estaria no local por volta das 14h quando uma outra estudante teria questionado a presença dela no ambiente.
O momento da expulsão foi gravado por alunos que presenciaram uma confusão. Veja:
No vídeo, uma jovem diz que a aluna trans “é um cara”. Em seguida, uma estudante responde, gritando: “Eu não sou um cara. Não tem nada que me impeça de meter a mão na tua cara.”
“Com relação ao episódio ocorrido nas dependências do Restaurante Universitário, a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Universidade foi procurada por uma das estudantes envolvidas e prestou o acolhimento necessário. A outra estudante foi amparada por servidores no local e posteriormente pela SDH”, informou a UnB.