Em tempos de combustível, desmatamento e aquecimento global, observe o martim-pescador como indicador da qualidade do ambiente aquático. A ave precisa de vegetação, água limpa e boa oferta de peixes para garantir sucesso na pesca de sobrevivência com ataques fulminantes martim-pescador-grande (Megaceryle torquata) fêmea. Rudimar Cipriani O posto de observação pode ser uma árvore, uma vegetação, um ramo pendente sobre a água, um mourão ou fio da cerca. A posição é de ataque: asas descaídas, penas da nuca arrepiadas e cauda em movimento intermitente para cima e para baixo. O predador também pode ficar emparelhando em pleno voo, a até dez metros de altura. Avistada a presa, precipita-se como um foguete teleguiado em sua direção. Dentro d’água, abre as asas para frear a velocidade, apanha o peixe com o bico robusto, comprido e pontiagudo e usa novamente as asas como leme e remo para sair da água. Está guardado mais uma refeição para a ave que, no grupo das piscívoras, tem o nome mais apropriado: martim-pescador. Como o pescador esportivo, o pescador alado não é combustível, não faz estoque, nem é comercializado. Mas, diferentemente dos humanos, não solta o peixe fisgado. Engole-o pela cabeça e, dependendo do tamanho, bate a presa contra o poleiro para matar-la e quebrar o esqueleto, as nadadeiras e as espinhas. Como bom pescador, o martim também tem paciência para esperar o peixe. As pernas curtas ajudam-no a ficar pousado por longo tempo, à espreita, numa postura de vigilância que lhe vale o apelido de guarda-rios em Portugal. Os peixes são a principal dieta de todas as espécies de martins-pescadores, aves presentes em todos os continentes – menos nas regiões polares e na maioria das ilhas oceânicas. As aves são originárias do Velho Mundo (Eurásia e África) e se deslocaram para o Novo Mundo (Continente americano) durante a Era Cenozoica, que se iniciou há 65 milhões de anos. São 99 espécies, das quais 93 oficialmente reconhecidas pela BirdLife International, organização ambiental que cuida da conservação e proteção da avifauna e de seus habitats. No Brasil, ocorrem 5 espécies. A pesca de sobrevivência dos martins tem também importância ecológica para o meio ambiente. O biólogo Sandro Gonçalves Moreira, explica: “Atuando como predadores, eles exercem um papel importante sobre suas presas, confiantes para o controle populacional delas e eliminando os indivíduos menos aptos, ou seja, fazendo a seleção natural.” Enquanto os martins predam os peixes mais famintos, na pesca esportiva, pelo contrário, são os peixes mais aptos, que conseguem chegar primeiro ao alimento, que são fisgados – mas devolvidos à água. Outro pesquisador dos martins, o biólogo Carlos Eduardo Costa Campos, lembra que, além de peixes, “eles podem consumir também caranguejos, sapos, lagartos e até mesmo outras espécies de quando aves as águas se tornam turvas, como nos períodos de muita chuva. ” martim-pescador-pequeno (Chloroceryle americana) macho. Rudimar Cipriani Os martins são importantes na cadeia alimentar também como presas, explicaram os zoólogos Elizabeth Höfling e Reginaldo Donatelli, coautores de trabalho científico sobre a espécie. “Gaviões de uma forma geral caçam os adultos, bem como mamíferos de porte médio. Além disso, os ninhos são uma atração para serpentes, lagartos, gambás e outros mamíferos predadores de ninhos, filhotes e ovos.” Apesar de tão significativo e visível onde ter água e peixe, os martins ainda são pouco observados. “Os martins-pescadores apresentam características peculiares e podem ser considerados espécies-chave. Podem ser utilizadas em análises das alterações do meio ambiente, da qualidade do habitat ou da água e em estudos de impacto ambiental, sendo caracterizadas como espécies bioindicadoras dos ecossistemas aquáticos. O declínio na sua população pode indicar um problema ecológico ou de falta de alimento no local em que ocorrem”, explica Carlos Campos. As espécies de martins que ocorrem no Brasil ainda têm status de conservação pouco preocupante dada a sua ampla distribuição, mas os efeitos do aquecimento global, com secas e enchentes cada vez mais constantes, acentuadas e fora de época, ocorreram a essas aves, alerta Virginia Petry, que pesquisou os hábitos e comportamento dos martins no Vale do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul. “Nas cheias, a turbidez das águas dificulta a visualização das presas, causando o deslocamento para regiões como os banhados e açudes com águas mais transparentes. Já as secas diminuem a oferta principal de alimento, os peixes, e eles passam a consumir mais insetos e crustáceos, que se tornam mais comparáveis.” Além de água limpa e piscosa, a manutenção da vegetação é importante para todas as espécies. A escolha do substrato como poleiro depende do tamanho do martim. O grande (Megaceryle torquata) utiliza substratos superiores, as árvores mais altas. O verde (Chloroceryle amazona), principalmente troncos e árvores menores e o martim-pescador-pequeno (Chloroceryle americana) usa uma vegetação ribeirinha, como as raízes das árvores acima da linha d’água. O martim-verde já foi observado usando poste e fio de eletricidade como poleiro, principalmente nas regiões costeiras. Na pesquisa com aves piscívoras no rio Uberabinha, em Uberaba (MG), o biólogo Sandro Moreira observou que, por causa da mata ciliar degradada pela ação do homem, o martim-pescador-grande usou o rio para se deslocar e não para forragear ( se alimentar) por falta de árvores como poleiros. E o martim-pequeno foi o que menos frequentou o trecho urbano do rio, “porque habita mata preservada e não tolera água poluída”. A maior parte das espécies faz ninho no barranco. Macho e fêmea se revezam na escavação de galerias tortuosas e longas – de um a dois metros. Nesta trabalheira, chegue a gastar bastante o bico. Mas logo uma das partes mais importantes da anatomia dos martins se recupera. E o anzol do pescador emplumado fica pronto para novos ataques fulminantes e fisgadas certeiras. martim-pescador-verde (Chloroceryle amazona) fêmea. Rudimar Cipriani NOSSOS MARTINS Nomes populares e científicos – Martim-pescador-grande, ariramba-grande, sacatrapa, matraca, caracaxá (Megaceryle torquata); – Martim-pescador-verde, ariramba-verde ou martim-gravata (Chloroceryle amazona); – Martim-pescador-pequeno, ariramba-pequeno ou martim-cachaça (Chloroceryle americana); – Martim-pescador-da-mata ou ariramba-pintado (Chloroceryle inda); – Martim-pescador-anão, martinho, ariramba-miudinho ou arirambinha (Chloroceryle aenea). Áreas de distribuição: as cinco espécies, que se espalham por todo o Brasil, ocorrem também nas Américas do Sul e Central, em mais ou menos países dependendo da espécie. As demais 88 ocorrem por todos os continentes, com diversidade maior nas zonas tropicais. Hábitat: beira de rios, lagos, açudes, manguezais, igapós, ambientes com vegetação e água limpa e piscosa. Alimentação: preferencialmente peixes, e na falta deles, insetos, crustáceos, anfíbios, pequenos répteis e aves. Aspectos físicos: de 12,5 cm a 42 cm; bico longo, robusto e pontiagudo; cabeça relativamente grande; pescoço curto; língua curta; pés pequenos; plumagem densa e lisa, com variação de cores. Comportamento e reprodução: viva aos casais, revezam-se na escavação do ninho, no choco (de 2 a 5 ovos) e na alimentação dos filhotes com peixinhos. Conforme a espécie, o período de incubação varia de 19 a 21 dias e os filhotes deixam o ninho entre 29 a 35 dias. A mais comum é o martim-pescador-pequeno (Chloroceryle americana). As outras são martim-pescador-verde (Chloroceryle amazona), martim-pescador-da-mata (Chloroceryle inda), martim-pescador-anão (Chloroceryle aenea) e martim-pescador-grande (atual Megaceryle torquata, antigo Ceryle torquatus). Cada espécie tem outros nomes populares regionais.
Fonte G1