O STF vai julgar nesta semana a constitucionalidade do orçamento secreto. Se julgado inconstitucional, esvaziará o poder do presidente da Câmara, hoje o vertical Arthur Lira, que comanda o destino da bufunfa prevista para chegar a 19,8 bilhões de reais em 2023. A consequência automática será o incentivo de Lula, que usará o dinheiro a mais para negociar emendas individuais com os deputados, por meio dos ministérios, no que é o usual de todos os presidentes.
Antes de ser eleito, Lula considerou o orçamento secreto um “escárnio”. Comparou o preço do método adotado por Jair Bolsonaro para comprar apoio na Câmara com o mensalão petista, que saiu bem mais barato. Agora, ele já não usa o substantivo da campanha. diz que “não pode continuar do jeito que está”. A mudança de tom é porque Lula, até o momento, precisa do Arthur Lira proprietário do orçamento secreto para aprovar a PEC da Transição, aquela que visa a furar o teto da casa que já não tinha teto, não tinha nada, e cujo endereço é rua dos bobos, número zero. A nossa rua.
A decisão do STF contra o orçamento secreto é considerada uma barbada pela maioria dos analistas. Mas, de acordo com a CNN, há na Corte quem defende uma “modulação”, para que a inconstitucionalidade não tenha efeito retroativo. O motivo é que a retroatividade comprometeria as verbas empenhadas e até as executadas. Seria, assim, uma dor de cabeça. Eu adoraria ver esse pessoal sofrendo de atendimento para devolver os milhões de reais desviados na caluda. A minha opinião não vale nada, infelizmente. Nem a sua.
Jair Bolsonaro se entregou de corpo inteiro ao Centrão, para não sofrer impeachment. Entregaria também a alma se tivesse uma. Lula quer, obviamente, que o Palácio do Planalto volte a comandar o triste espetáculo. “Quem foi eleito fui eu”, disse ele numa entrevista, na sexta-feira, marcando posição. Há que atender, ainda, os cruzados da imprensa na sua gritaria pela moral e pelos bons costumes. Esses cruzados precisam de um petismo limpinho para chamar de seu. A minha aposta é que, se o orçamento secreto for julgado inconstitucional, não importa se com ou sem “modulação”, não haverá lugar dele um orçamento com aquela transparência fosca que faz o orgulho nacional. Segredo sem ser secreto, se é que você me entende.
Deixa-se um bom naco para os parlamentares, desde que se anuncia que as contas do bom naco terão de ser prestadas com rigor (e todos sabemos que as prestações de contas no Brasil são como as leis que se destinam apenas aos inimigos). Acerta-se que o presidente da Câmara da vez — em harmonia com a caterva — sopraria aos ministérios as direções mais convenientes para a bufunfa antes destinadas às tais emendas do relator (nada que já não se fez antes de Jair Bolsonaro, só que agora com mais “modulação”, para tomar empréstimo do termo do STF). Não será por falta de mágica, enfim, que todo mundo deixará de ser feliz. Para que descontentar totalmente, se você pode contentar parcialmente?
Lula tem de convencer que institucionalizar o mensalão, e em valores estratosféricos, foi uma ideia genial. Trata-se apenas de adaptado a ideia para um contexto sem a fraqueza de Jair Bolsonaro. Como é que Lula não pensou nisso antes? É que a ocasião faz o presidente, sabe como é.