Planejamento meticuloso ao longo de dois anos, indumentária de quem estava trajado para a guerra e a execução fria, como se estivesse abatendo animais, são alguns dos detalhes analisados pelas autoridades capixabas para traçar a personalidade do adolescente de 16 anos responsável por um dos atentados mais sangrentos cometidos no país por atiradores contra escolas.
Na tragédia, quatro pessoas morreram e 12 ficaram feridas durante os ataques em duas escolas no município de Aracruz (ES), na última sexta-feira (25/11). A pedido da coluna, a psiquiatra forense e atualmente perita do julgamento no Tribunal Regional Federal da 1ª Região e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), Conceição Krause, elaborou uma análise psicológica do captador com base no que se sabe até o momento.
As informações davam conta de que os homicídios foram emocionados mediante o uso de armas – uma pistola e um revólver – e com auxílio do carro pertencente ao pai do autor. Em seguida, o atirador se retirou das cenas dos crimes. “Ele usa uma roupa camuflada, duas suásticas presas à roupa e uma máscara com uma caveira, escondendo seu rosto e calçando coturno. Isso mostra que ele queria sair vivo da situação, não ser reconhecido, assim podendo escapar de uma punição, o que significa que ama a vida em liberdade”.
Veja imagens da tragédia ocorrida em Aracruz:
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Segundo a psicanalista, dificilmente, na vida privada, ele seria conhecido como uma pessoa capaz de cometer uma barbárie, porque é parecido com aqueles que estão à sua volta. “Os atos complexos para o cometimento dos crimes mostram a existência de congruência entre os preparativos, a execução, o disfarce, a ocultação e a fuga. Portanto, as funções psíquicas se encontravam íntegras. Daí porque, no momento dos atos, não pode ser considerado um doente mental”, analisou Krause.
O psicanalista lembrou que o adolescente começou a planejar o ataque quando tinha apenas 14 anos. Nessa fase, de acordo com o profiler, há uma erupção de hormônios sexuais e aumento da libido. “Durante os dois anos em que ele preparou esses atos, houve um desvio dessa libido para outro tipo de prazer: o de executar pessoas, um dos maiores prazeres dos matadores em massa”, explicou.
“Só o atirador saberia do crime que praticou, podendo acompanhar pela mídia seu “sucesso” naquela empreitada. Um prazer solitário, não dividido com mais ninguém, narcisista. Não digo que, se não fosse descoberto, repetiria o ato. Porém, com a idade que começou, podemos arriscar que a sociedade correria um sério risco. Dois anos sonhando um sonho que virou realidade, e se não fosse por um erro no disfarce da placa do carro, talvez jamais fosse encontrado. Estaríamos diante de um serial killer no início da carreira”.
Veja o vídeo do momento do ataque:
Satisfação em matar
A análise da profissional, que já ministrou cursos sobre homicídio em massa para a Agência Brasileira de Investigação (Abin), mostrou que a descarga de adrenalina foi satisfatória para o atirador, quando “está acima das vítimas”, é exacerbada. “Estar no controle da vítima provoca um grande incremento da adrenalina, levando a um prazer equiparável ao efeito de uma droga psicoativa. A tendência, aí, é repetir a busca desse prazer, quer não se equipara aos prazeres comuns da vida de um adolescente”, finalizou.
Pais perdeu cidade
A advogada que representa o adolescente informou, nesse domingo (27/11), que os pais do jovem ganharam a cidade. A decisão da família teria sido motivada pelo medo de retaliações.
“Eles tiveram de deixar a cidade no mesmo dia do fato. Tinha um clamor muito grande, palavras de ódio também; por isso, não seria prudente eles discutirem na região. O casal está muito abalado e perplexo com toda essa situação. Eles, a todo o momento, questionam-se onde erraram na criação do filho”, relata Priscila Benichio Barreiros
Segundo a advogada, a família do adolescente não teve contato com os pais das vítimas e dos sobreviventes. Haveria interesse por parte deles, mas isso só deve acontecer futuramente.
O pai do atirador é tenente da Polícia Militar do Espírito Santo (PMES). Já a mãe do acusado havia sido professora na Escola Estadual Primo Bitti, palco do primeiro ataque e colégio onde ele havia morrido.
investigações policiais
A Polícia Civil vai investigar se o pai do atirador de Aracruz ensinou o filho de 16 anos a usar armas de fogo. A informação foi divulgada pelo delegado-chefe da corporação, José Darcy Arruda.
“Vamos investigar não só se o pai que o ensinou a dirigir, como também se foi o pai que o instruiu a usar a arma. Se ficar provado que o pai, de certa forma, teve um concurso para esse tipo de comportamento, certamente responderá também”, declarou Arruda.
Ele responderá por ato infracional semelhante aos crimes de 10 tentativas de homicídio qualificado e três homicídios recebidos, por motivo fútil e sem possibilidade de defesa das vítimas.