Árvore típica da Floresta Atlântica do Brasil foi mencionada na carta de Pero Vaz de Caminha Juçara é uma espécie de palmeira que possui tronco fino com linhas levemente marcadas, podendo atingir mais de 20 metros de altura. Arquivo TG Você sabia que a palmeira-juçara inspirou um dos primeiros nomes do Brasil? Além disso, a espécie é importante fonte de alimentos para as aves, porém a árvore está ameaçada pela produção exploratória de palmito. O biólogo Luciano Lima, que compõe a equipe do Terra da Gente, te conta na coluna de hoje. Além de ter inspirado um dos nomes do nosso país, essa planta é mencionada pelos portugueses já na carta do Pero Vaz de Caminha. Tenho quase certeza que você deve estar pensando no pau-brasil. Mas não, não estou me referindo a uma das mais famosas árvores brasileiras, que aliás, não é mencionada na carta de Caminha. Antes dos europeus, uma vastíssima extensão do atual território brasileiro era ocupada por muitas e diferentes nações indígenas que, por sua vez, batizaram por diferentes nomes como terras em que viviam. Quando os portugueses desembarcaram no Sul da Bahia, eles não chegaram a uma terra desconhecida e sem nome, essa região não apenas era ocupada há séculos pelos Tupinambás, como tinha nome, Pindorama, que em tupi significa “região das palmeiras”. Os verdadeiros limites de Pindorama se perderam no tempo, exterminados, como a maior parte dos povos indígenas que a ocuparam. No entanto, diferentes fontes confluem na informação que era o nome pelo qual os povos da família linguística tupi-guarani se referiam à região do atual leste brasileiro que era coberta pelas florestas. Ou seja, os domínios da Mata Atlântica. Palmeira-juçara é provável da Mata Atlântica, sendo encontrada em áreas de floresta mais úmidas desde o Nordeste até o Rio Grande do Sul e também em algumas regiões da Argentina e Paraguai. Arquivo TG São muitas as palmeiras de Pindorama. Já contei aqui no Histórias Naturais que o Brasil está entre os países do mundo com a maior riqueza de espécies de palmeiras (e sabiás). Mas, quando se junta “Mata Atlântica” e “palmeiras” em uma mesma frase é difícil não lembrar da palmeira-juçara (Euterpe edulis) e, provavelmente, os povos indígenas foram influenciados pela abundância dessa palmeira antes da invasão europeia para batizar o território que ocupavam. A juçara é uma bela espécie de palmeira. Esbelta, possui tronco fino com levemente marcados, podendo atingir mais de 20 metros de altura. Uma cachoeira da Mata Atlântica, é encontrada em áreas de floresta mais ecológicas desde o Nordeste até o Rio Grande do Sul e também em algumas regiões da Argentina e Paraguai. Seu nome científico, Euterpe edulis, evoca Euterpe, uma das musas da mitologia grega, “A Doadora de Prazeres”, considerada a musa da música e da poesia, uma referência à beleza dessa palmeira. Já “edulis” tem origem no latim, “comestível”, característica da espécie que fez com que a palmeira-juçara fosse eternizada na famosa carta de Pero Vaz de Caminha. Em sua carta ao Rei D. Emanuel I sobre o “achamento” da “terra nova”, Pero Vaz de Caminha faz menção a diversos termos associados com plantas. A maioria deles são genéricos, como “paus”, “madeira”, “lenhas” e “arvoredos”, dificultando uma identificação mais acurada das primeiras espécies botânicas com as quais os portugueses tiveram contato naquele abril de 1500. Uma exceção a esse padrão pode ser encontrado no trecho da carta que se refere às impressões de uma breve incursão feita por alguns integrantes da esquadra de Cabral floresta adentro, até a margem de um rio. A carta conta que “Ali fica um pedaço, bebendo e folgando, ao longo dele [do rio], entre esse arvoredo, que é tanto, tamanho, tão basto e de tantas prumagens, que homens as não podem contar. Há entre ele muitas palmas, de que colhemos muitos e bons palmitos”. bons palmitos” corresponde a palmeira-juçara. Aves se alimentam do fruto e, em troca, operam como dispersores das suas sementes. Arquivo TG Séculos de destruição reduziram a Mata Atlântica a cerca de 12% de sua área original. Embora isso tenha impactado significativamente as populações de sua flora e fauna nativas, incluindo a palmeira-juçara, até a década de 1970 uma espécie podia ser encontrada com certa facilidade em áreas remanescentes de floresta. Foi a partir dessa época que a exploração do palmito, já mencionada na carta de Caminha, passou a escala industrial na sua quase extinção da espécie e justificando a sua inclusão na lista da flora ameaçada de extinção. Mas além de ser comestível para o bicho homem, a palmeira-juçara também alimenta uma multidão de outros animais. No entanto, mais de 60 espécies de aves e mais de 20 espécies de mamíferos, não possuem uma relação de exploração com essa palmeira, como nós, mas sim de parceria. Eles se alimentam do seu fruto e, em troca, participam como dispersores das suas sementes. Diferentes estudos demonstraram que as sementes de juçara “despolpadas” por esses animais têm uma taxa de germinação muito maior que as sementes dentro de frutos não consumidos. Histórias Naturais é a coluna semanal do biólogo Luciano Lima no Terra da Gente Arte/TG Para as aves, em especial, os frutos da palmeira-juçara são um recurso alimentar tão importante que algumas espécies, como a araponga, migram pela Mata Atlântica seguindo a dos frutos, que ocorre em períodos distintos em diferentes regiões. Além dos frutos, suas flores também são muito apreciadas pela fauna, sendo visitadas por abelhas, borboletas e muitos outros insetos. A exploração predatória do palmito da palmeira-juçara vem colocando em risco não apenas essa espécie de planta que faz parte da nossa história, mas toda uma teia da vida que depende dela como alimento. Já passou da hora do país que mais de uma vez foi batizado com nomes inspirados em plantas, aceite, respeite e cuide do seu destino: ser “gigante pela própria natureza”. *Luciano Lima é biólogo e faz parte da equipe do Terra da Gente
Fonte G1