Entenda por que Campinas, atualmente pivô de discussão sobre corte de árvores, era referência em arborização no século XIX

Campinas e Região



A remoção de árvores após as quedas que provocaram duas mortes, entre dezembro e janeiro, gerou questionamentos da população da metrópole, que há 120 anos era pioneira no assunto. g1 faz resgate histórico para mostrar mudanças. Vista aérea de imóveis de Campinas Carlos Bassan Durante os três primeiros meses de 2023, Campinas (SP) vive no centro de uma discussão envolvendo a administração municipal, ambientalistas e a população em relação à necessidade da remoção de centenas de árvores na cidade. A medida do Executivo, que provocou, além de controvérsias, uma transformação na paisagem da metrópole, aconteceu após quedas de espécies gigantes provocaram a morte de duas pessoas entre dezembro e janeiro. Atualmente pivô da discutida, Campinas se tornou alvo de críticas em relação à poda e corte das árvores, apontadas por parte da população como “excessivos”, mas nem sempre foi assim. Durante parte de seus 248 anos de existência, a metrópole foi referência em arborização urbana no país, principalmente no fim do século XIX, durante o processo de reconstrução da cidade após as sucessivas epidemias de febre amarela. O g1, por meio de informações históricas e conversa com um representante do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), faz, na reportagem abaixo, um resgate de como o município se tornou referência de arborização e explica como aconteceram as modificações na cidade até chegar aos problemas relacionados à remoção de árvores dos dias atuais. Papel de destaque De acordo com a atual curadora do herbário do IAC, Roseli Buzanelli Torres, a preocupação de Campinas com as árvores após as crises sanitárias no século XIV elevou a cidade a um papel de destaque frente a outros centros urbanos. À época, a arborização era pensada a partir da diversidade na flora e do resgate de espécies nativas. Local onde atualmente fica a Basílica do Carmo era o ponto da capela da primeira missa Coleção V8/Centro de Memória-Unicamp “Campinas sempre teve uma arborização diferenciada, porque se você vai para qualquer cidade do Brasil, por exemplo Belém do Pará, Porto Alegre , você vai ver que a arborização urbana é muito igual, independentemente do ecossistema onde esses centros urbanos ocorrem”, destacou Roseli. O conceito de Campinas como referência em arborização teve início há aproximadamente 120 anos. Do uso de eucaliptos para a secagem de áreas de várzea e pântanos até a implantação de modelos de urbanização de inspiração europeia, o planejamento da metrópole teve, por muito tempo, um olhar especial para o uso consciente das águas que estavam por todos os lados, e a manutenção disso depende também da expansão e cuidado das áreas verdes. Vista aérea de Campinas em 1890 Reprodução/ Arquivo Unicamp Com o avanço da primeira metade do século XX, este olhar se manteve e foi responsável por ampliar ainda mais a arborização em praças, passeios e vias públicas, dando a Campinas uma paisagem de equilíbrio entre o verde e o concreto. A atenção estava inclusive na substituição de plantas exóticas, que poderiam trazer algum problema futuro, por plantas nativas e mais adequadas, de acordo com o local de destino. O trabalho sempre foi acompanhado por técnicos botânicos, em especial do Instituto Agronômico, que, além da assessoria técnica, também participavam da seleção e doação de mudas. As iniciativas ganharam respaldo jurídico para formalizar e garantir a continuidade deste ideal planejado de cidade. O de maior destaque foi a criação do Código de Projetos em 1934, que regulamentou a obrigatoriedade de reservar espaços públicos para praças e jardins e normatizou a técnica do plantio das árvores. As preocupações, à época, não tinham uma motivação estética, mas sim de pensar a vegetação urbana a partir de sua função de regulação da temperatura e aumento da área permeável para evitar problemas com enchentes. Verticalização O cenário começou a se tornar mais complexo na medida que as fronteiras urbanas avançavam, sobretudo com a verticalização da cidade a partir da década de 1950 e o aumento populacional. Vista aérea do Bosque dos Jequitibás, em Campinas João Mauricio Garcia Em contrapartida, foi entre as décadas de 1940 e 1970, que a prefeitura e o IAC mais trabalharam juntos. Foram criados viveiros como o arboreto Monjolinho, locais com um grande e diversificado acervo de espécies voltadas para a arborização urbana e que serviram como incubadora para o resgate da cobertura vegetal não apenas de Campinas. “Essa atividade é do pesquisador, de constituir quase que um jardim botânico. Uma coleção de árvores e palmeiras, inclusive exóticas também, mas o que a gente ressalta são as nativas. Ele compartilhava com a prefeitura. Com os responsáveis ​​por essa parte da arborização da prefeitura naquela época.” discorre Roseli Buzanelli Torres O movimento recebeu mais apoio com a criação do Serviço de Parques e Jardins e a implantação do Código de Obras de 1959. Além disso, inspirou outros órgãos do governo como a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) em 1967 e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em 1973. Posteriormente, em 1975, o Serviço de Parques e Jardins ganhou ainda mais autonomia quando se transformou em um departamento. Três anos depois, o diretor do Departamento de Parques e Jardins (DPJ) elaborou a primeira lei de arborização do estado de São Paulo, regulamentando o setor na cidade. Auxílio da pesquisa Com o avanço da cidade a partir da década de 1990, a criação do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc), em 1987, ajudou na proteção de algumas áreas verdes como a área florestal da Fazenda Santa Elisa, que teve seu processo de tombamento aberto ainda em 1989. Fachada do Palácio dos Jequitibás, sede da Prefeitura de Campinas Lana Torres / G1 Os centros de pesquisa tentam a estudar cada vez mais o tema com a criação de ferramentas, como o portal de mapas de árvores de Campinas, produzido pela Embrapa. O projeto, iniciado em 2012, tinha como objetivo fazer um levantamento da arborização da área urbana de Campinas por meio de monitoramento por satélite. O portal Árvores de Campinas depende de cooperação com a prefeitura, o que ocorreu até 2014. A ferramenta ainda está disponível e é de livre acesso pela internet, mas os dados não são atualizados há 10 anos. Outra iniciativa foi a elaboração do Plano Municipal do Verde do Município de Campinas, em 2016. O documento tinha como objetivo consolidar as ações de conservação e recuperação das Áreas Verdes de Campinas, programas e metas que norteariam os procedimentos futuros assegurando as funções básicas destas áreas em benefício da população da cidade. Discussão atual Então voltamos para 2023, mas ainda com o olhar voltado para os últimos anos com a intenção de investigar evidências que resultaram na situação atual de queda de árvores, podas extensas e explicadas. Entre o fim de dezembro de 2022 e janeiro de 2023 as fortes chuvas resultaram na queda de árvores, que destruíram propriedades e causaram mortes. Como resposta às tragédias, dentre as primeiras atitudes da prefeitura, parques fechados e praças para avaliação da saúde da cobertura arbórea. Imagens mostram retiradas de árvores na Lagoa do Taquaral Reprodução/EPTV Ações necessárias e emergenciais, mas que apontam para problemas de manejo afetados na cidade. O g1 segurou documentos via Lei de Acesso a Informação (LAI) e estes mostraram que, ao menos nos últimos cinco anos, não houve laudo técnico sobre as árvores do Bosque dos Jequitibás. Algo que só foi feito após a queda da Figueira Branca em 28 de dezembro de 2022. Na Lagoa do Taquaral outra morte chocou a todos com a queda de outra árvore. Desta vez matando uma menina de 7 anos que foi atingida no dia 24 de fevereiro por um eucalipto. Segundo laudo técnico caiu devido ao solo arenoso encharcado e uma raiz apodrecida. O que se seguiu, a partir desta investigação, foi a constatação de que os procedimentos de manutenção e acompanhamento das árvores nesse período foram precários e um dos possíveis motivos é um corpo técnico muito reduzido como apontado pelo pesquisador Ivan André Alvarez, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Depois do início da demolição de 181 árvores no parque da Lagoa do Taquaral, na sexta-feira dia 10 de março a prefeitura anunciou um laudo indicando 108 árvores condenadas no Bosque dos Jequitibás. Tais ações foram seguidas de muitas críticas feitas por parte do investigador que apontaram problemas na identificação dos espécimes que seriam derrubados, bem como o destino dos troncos e galhos depois de retirados. A quebra de braço entre a prefeitura e os ambientalistas é evidente e deixa clara a comunicação entre os grupos. E embora o Condepacc tenha liberado a garantia das árvores, a prefeitura ainda espera pelo aval de outros órgãos e o imbróglio com a comunidade científica vai se manter. E o futuro? O Plano Municipal do Verde foi elaborado com metas de recuperação de áreas degradadas, criação de corredores ecológicos, avanço nas ferramentas de gestão, conservação e recuperação a ser aperfeiçoado ao longo dos dez anos a partir de 2016. Uma dessas ferramentas seria o desenvolvimento de um inventário, o qual, em contato com a redação do g1, a prefeitura que faz há pelo menos dois anos. Trata-se de da catalogação das árvores de Campinas de forma quantitativa e qualitativa onde são as condições fitossociológicas e fitossanitárias das árvores. Até o momento já me cadastrei mais de 34 mil árvores. Mas apesar de afirmar que o levantamento contempla diversas informações capazes de permitir o acompanhamento e identificação da saúde de cada árvore catalogada, no site disponível para o público encontramos apenas o nome popular, espécie e sua localização. (mapa das árvores) Segundo Roseli, trata-se de um inventário muito inicial com poucas informações, onde não é possível verificar o estado fitossanitário das plantas. Além disso, até março de 2023, quando esta reportagem foi escrita, o levantamento contemplava apenas as regiões do Cambuí, Taquaral e Vila Itapura. Mudas de árvores plantadas em fazenda de Campinas Reprodução EPTV De acordo com Roseli Buzanelli Torres, é necessário criar um projeto sério de coleta de sementes de espécies ameaçadas, em perigo ou raras aproveitando o que ainda temos nos remanescentes arbóreos do município, o acervo dos viveiros para a recomposição da flora urbana. “A gente deveria estar nesse momento, ao substituir de ficar podando árvore, cortando e arrancando sem sucesso, estar discutindo essa questão da biodiversidade da arborização urbana, da diversidade de espécies na arborização urbana por causa da fauna nativa.” analisa Roseli Buzanelli Torres. Existem planos para a substituição das árvores conforme as regras para fragmentos florestais. Em consonância com o Plano Municipal do Verde, até 2026 Campinas deve ter uma implantação completa de parques lineares que, somado ao programa de corredores ecológicos deve contribuir para a recuperação arborização da cidade. “Só vemos piora na cidade. Na estrada sai da Rodovia Dom Pedro e vai para a área de proteção Ambiental de Sousas e Joaquim Egídio você só vê uma série de terrenos fechados, ou muro ou alambrado. Como você vai ter corredores ecológicos? Como a fauna pode transitar?” indaga a pesquisadora. *sob supervisão de Arthur Menicucci e Marcello Carvalho VÍDEOS: tudo sobre Campinas e região Veja mais notícias da região no g1 Campinas

Fonte G1

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *