Espécie de perereca é endêmica da Mata Atlântica e pertence à mesma família do sapo-martelo e da perereca-de-banheiro. Fluorescência é visível apenas com uso de luz UV. Boana atlântica é anfíbio fluorescente, que brilha com a emissão da luz ultravioleta Carlos Gussoni Você enfrentaria uma saída noturna na mata para encontrar animais fluorescentes? Para quem gosta de aventura e é fascinado pela vida selvagem este é um convite irrecusável. Com esse objetivo, três amantes da natureza saíram para explorar as áreas da RPPN Pedra D’Antas, no município de Lagoa dos Gatos, em Pernambuco. Carlos Gussoni, biólogo e ornitólogo e Rafaela Vitti, estagiária de analista ambiental, estiveram no local para realização de um censo anual sobre a população de duas aves endêmicas da região, o cara-pintada (Phylloscartes ceciliae) e zidedê-do-nordeste (Terenura doente). Porém durante uma noite eles saíram do campo para observar a natureza por outra perspectiva. Quem acompanhou a dupla foi Franciely Vitória da Silva, filha do guarda-parque da unidade. “Nós fizemos uma saída para fotógrafos escorpiões e outros seres vivos que brilham na luz negra”, comenta Gussoni. Cientistas estavam em campo em busca de animais fluorescentes, como escorpiões Carlos Gussoni Na busca pelas seres luminosos, eles encontraram uma espécie curiosa e exclusiva da Mata Atlântica nordestina, a Boana atlântica, uma perereca de porta que varia entre 34 a 41 vídeo que pertence à família Hylidae, a mesma do sapo-martelo (Boana faber) e da perereca-de-banheiro (Scinax fuscovarius). Com ocorrência apenas nos estados da Bahia, Alagoas, Pernambuco e Paraíba esse anfíbio vive no interior e bordas de florestas primárias e secundárias e florestas degradadas, podendo ser encontrado também em áreas abertas e taboais. Esse poderia ser apenas mais um bicho avistado durante a saída a campo, junto com espécies como Phyllodytes edelmoi e Pristimantis ramagii avistadas em bromélias, porém a Boana atlantica garantiu a diversão do trio, e o motivo é surpreendente: essa é uma espécie de anfíbio fluorescente, e eles conseguiram observar de perto esse fenômeno. “É incrível observar um anfíbio brilhando na luz negra, algo muito diferente dos avistamentos cotidianos desses animais. Quando a iluminamos com essa lanterna, ela se destacou muito do ambiente em volta”, relata Gussoni. Sem emissão da luz ultravioleta, anfíbio parece uma espécie comum Carlos Gussoni O ornitólogo já havia visto essa espécie “brilhar” na mata no ano anterior. Mas Franciely e Rafaela observavam esse aspecto curioso pela primeira vez na vida. “Achei uma experiência incrível”, revela Rafaela. Para um estudante é até difícil descrever a sensação de ver de perto o fenômeno da fluorescência em um anfíbio. “Foi um misto de sensações, pois saber que existem animais fluorescentes já era algo fascinante, e poder ver um de perto, através da luz negra, foi um marco na viagem que estava fazendo. Foi como ver a prova viva desse fenômeno da natureza”, compartilha. Mudança de cor: A olho nu a Boana atlântica pode ser considerada uma espécie discreta, possui uma cor esverdeada com linhas dorsolaterais e pontos dorsais laterais esparsos vermelhos. Com a emissão da luz ultravioleta ela se transforma e pode apresentar cores azuladas. Como estava com um equipamento apropriado para encontrar animais fluorescentes, o grupo conseguiu ver nitidamente esse “brilho” e mudança de cor semiocultas presentes na espécie. Porém, sem o uso da luz negra, não é possível enxergar esse grande efeito diferenciado do animal. “A fluorescência não é possível de ser enxergada a olho nu para os humanos. É necessário que o animal seja iluminado com uma luz específica. Existem três fenômenos ópticos diferentes: 1) Se a espécie só brilha enquanto é iluminada e deixa de brilhar quando a luz é alcançada, é fluorescente. 2) Se a espécie continuar brilhando por algum tempo após a exposição à luz, ela é fosforescente. 3) Se um animal emite luz sem qualquer fonte de iluminação, ela é bioluminescente. No caso da Boana atlantica e também da Boana punctata o fenômeno é a fluorescência”, explica Paula Ribeiro Anunciação, doutora em Ecologia e pós-doutoranda no Instituto de Pesquisa Senckenberg na Alemanha – Departamento de Herpetologia. À esquerda Boana punctata se torna verde através de um processo de fluorescência e a certa a espécie reflete a luz verde para se camuflar através da interação de um complexo proteico com células pigmentares amarelas. Andrés Brunetti/Acervo Pessoal Como adiantou a pesquisadora, a Boana atlantica não é a única espécie de anfíbio fluorescente no Brasil, mas é a segunda espécie conhecida e comprovada em relação a esse fenômeno, ao lado da parenta Boana punctata. Essas descobertas ocorreram em 2017. Nos artigos divulgados sobre essas ocorrências Carlos Taboada e colaboradores mencionaram as relações da fluorescência nesses anuros. “Eles informaram que a fluorescência está relacionada com quatro características dos anfíbios: pele translúcida, ocorrência de peritonio, bexigas brancas e alta concentração do pigmento biliverdina”, comenta Paula Ribeiro. Boana punctata: conheça o anfíbio que fica verde para se camuflar e fluorescente para se reproduzir Os autores fizeram ainda um levantamento bibliográfico de possíveis espécies que também poderiam apresentar o fenômeno de fluorescência. “O resultado foi uma lista provisória de 281 espécies de sete famílias de anuros. Entre essas espécies está a Boana atlantica, a qual foi escolhida para um teste. E a partir daí descobrimos que de fato a espécie emite luz azul e verde após receber radiação ultravioleta”, acrescenta um profissional. Boana atlantica muda de cor após ser iluminada com luz negra Carlos Gussoni Mas afinal, por qual motivo esses anfíbios são fluorescentes? Existem algumas hipóteses para tal questão como, por exemplo, a fluorescência ser uma forma de estratégia para atrair parceiro reprodutivo, um caso de seleção natural. “Pode ser também como uma defesa de território contra outros machos, uma forma de comunicação, pois já se sabe que esses animais deixam marcas fluorescentes sem substratos, que podem ser demarcação do território, ou ainda uma estratégia de defesa contra predadores, uma forma de camuflagem”, comenta Paula Ribeiro. Apesar de terem avistado a espécie à noite, a fluorescência pode ser notada durante o dia também, isso se houver o uso da luz ultravioleta, mas é na escuridão que o caso fica mais evidente, e o sucesso de avistamento pode ser maior. “Durante à noite o fenômeno pode ser mais evidente por conta da baixa iluminação por outras fontes de luz. Além disso, os anfíbios anuros, são em sua maioria, espécies de hábitos noturnos e por essa razão encontrados com mais facilidade no período noturno”, acrescenta Paula. Busca aos seres fluorescentes Opilião e carrapato fluorescentes foram filmados ao serem iluminados com luz negra O fenômeno da fluorescência não é restrito aos anuros, na realidade ele também ocorre com outros grupos de animais, que envolvem desde cnidários, artrópodes, peixes cartilaginosos, raias e alguns seres terrestres. Na busca por esses bichos que brilham na luz negra, os ornitólogos Carlos Gussoni e Rogério Machado já garantem encontros e registros curiosos, como de um opilião, escorpião, lagarta e até um carrapato fluorescente. Alguns desses flagrantes foram feitos em Rio Claro (SP) e Santa Gertrudes (SP). Lagarta e carrapato fluorescentes foram registrados em Rio Claro(SP) Rogério Machado
Fonte G1