“É um avanço para nós, uma comunidade humilde como essa, ter acesso à energia produzida na nossa própria localidade. O momento é histórico”. Líder da associação de moradores da comunidade comunitária Xique-xique, situada no município de Remanso (BA), Maria Domingas Francisca dos Santos, 48, não esconde a emoção com a chegada da energia elétrica de fonte limpa e renovável, por meio da instalação de uma microrrede de energia solar, para as 110 famílias que ali moram.
Próxima ao Rio São Francisco, Xique-xique é uma pequena comunidade educativa, com cerca de 400 habitantes que vivem da agricultura familiar e da produção caseira de mel. A aproximadamente 720 milhas da capital Salvador, uma localidade fundada nos anos 1930 recebeu esse nome devido aos vários cactos encontrados na região.
Para os moradores que habitam a localidade, a maior dificuldade, então, era a falta de acesso até a energia. Ter eletricidade em casa 24 horas por dia era um sonho distante na maioria das residências da comunidade.
“O acesso à energia elétrica mudou muita coisa de pior para melhor. A gente perdeu muita comida porque não tínhamos como conservar os alimentos para consumir depois. Não dava para ter geladeira com a eletricidade limitada”, conta a apostada Maria Celina da Silva Pereira, 63 anos.
Há cerca de 40 anos, a aposentada mora na comunidade com o marido, onde possuía a família e viu os dois filhos crescerem. Em 2005, uma família adquiriu o primeiro equipamento de energia solar individual. O aparelho, porém, nunca foi suficiente para suprir o gasto na residência. Por conta disso, Maria Celina não podia ter eletrodomésticos em casa.
“Nunca imaginei que poderia ter um liquidificador, por exemplo. Até para assistir à televisão foi uma dificuldade, porque consumia muita energia. Se chovesse, então, era uma dor de cabeça ainda maior. A gente também tinha muito problema observado por conta da fumaça do lampião, que era acendido com querosene”, relembra Maria Celina.
Por meio de um projeto iniciado no Brasil, que teve início em 2019, a comunidade de Xique-xique foi contemplada pela Neoenergia com a instalação de uma usina solar e da rede de distribuição que formam o sistema de microrrede. O evento de inauguração ocorreu na última terça-feira (31/1).
“Agora, com o acesso à energia elétrica, o fogão a lenha passou a ser um fogão a gás. A gente consegue ter um ferro de passar roupa, podemos até mesmo beber uma água gelada, algo impensável antes. É uma grande conquista para a nossa comunidade ter também internet e poder comer uma carne fresca”, comemora a aposta.
O sistema de microrrede é uma alternativa sustentável para viabilizar o fornecimento de energia em comunidades básicas, onde a expansão de redes de transmissão e distribuição pode ser complexa por causa das condições geográficas, ambientais e ecológicas.
Xique-xique foi escolhido para ser beneficiado pela iniciativa em decorrência de alguns aspectos, tais como quantidade de casas, extensão geográfica, condições climáticas e envolvimento dos moradores. Além de 110 residências, o projeto da Neoenergia contempla uma escola, um poço artesiano comunitário e uma associação de moradores.
Na Escola Municipal Professor Dionísio, os alunos do ensino médio voltarão a ter aulas na localidade e os adultos poderão estudar no período noturno graças à viabilização de energia.
Usina solar na comunidade
A energia é 100% limpa, proveniente de uma usina solar com 616 painéis instalados, com capacidade de geração de 243 kWp. O sistema poderá garantir um consumo médio de 80 kWh para as residências.
Há também um armazenamento por baterias de íon-lítio, com capacidade para garantir o fornecimento por 48 horas quando não houver radiação solar suficiente.
Na comunidade foram construídas 26 milhas de rede primária de distribuição e mais 9 milhas de rede secundária. Ainda foram instalados 387 postes e 32 transformadores.
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“O investimento em microrredes está relacionado à expectativa de que a tecnologia tenha maior adesão no mercado, o que pode gerar redução de custos, permitindo a expansão de projetos como esse no país e beneficiando outras comunidades em áreas remotas que ainda não são atendidas pela rede elétrica de distribuição convencional”, explica o gerente corporativo de P&D da Neoenergia, José Antônio Brito.
Todos os medidores de energia são inteligentes e permitem a leitura remota do consumo de cada cliente, gerenciamento do fornecimento de energia e monitoramento dos níveis de tensão e corrente. Na casa de Maria Celina, por exemplo, com a tarifa social, a conta de luz chega apenas R$ 15 por mês.
Ampliação da cidadania
Heron Fontana, Diretor de Processos e Tecnologia da Neoenergia, explica que um dos primeiros desafios enfrentados para a implementação da microrrede foi o processo para que todas as casas beneficiadas da comunidade tenham escritura. Para instalação da usina, a empresa também fechou um contrato de arredamento para utilizar o terreno de um dos moradores da região.
“Mobilizamos nossa equipe fundiária para ir à prefeitura de Remanso buscar documentos referentes às residências. Como uma empresa regulamentada, precisa ter esse tipo de cuidado com a legalidade. E como benefício, esses moradores ganhariam um comprovante de residência, a conta de luz. Uma pessoa ter um documento com o nome dela é motivo de orgulho, porque ela se torna reconhecida pelo governo e pode dar outros passos na extensão da cidadania”, comenta Heron.
Para monitorar a operação da usina e distribuição de energia, foi instalada uma antena satélite que garante o monitoramento dos equipamentos, medidores e desempenho da distribuição. Todos os medidores de energia são inteligentes, permitindo a leitura remota do consumo de cada cliente, gerenciamento do fornecimento de energia e monitoramento dos níveis de tensão e corrente.
Luta da comunidade por energia
A líder da comunidade, Maria Domingas, ressalta que a luta pelo acesso à rede de energia existe há muitos anos.
“Passamos muitas décadas lutando pela energia convencional, aceitamos placas solares individuais porque fazíamos parte do programa Luz Para Todos, do governo federal. Mas nos custou muito, pensando que fomos condenados a ficar com energia reduzida. Em determinado ponto, perdemos a esperança”, relembra Domingas.
Porém, a chegada da usina solar foi vista como uma grande conquista para ela e os outros moradores de Xique-xique. “Nossa luta não foi em vão. infelizmente tivemos uma caminhada sofrida. Somos uma comunidade que já não teve água ou cisterna. O sentimento é de gratidão. Acreditamos que é uma melhora de vida, mas sem mudar nossa forma de viver”, comemora.
O projeto de microrrede de Xique-xique recebeu recursos do Programa de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da Neoenergia, regulamentado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e foi homenageado com dois troféus na Premiação OSE “O Setor Elétrico” de 2022, nas categorias “pesquisa e desenvolvimento” e “melhor trabalho”.