No dia 25 de janeiro, estreou na Netflix a minissérie “Todo Dia a Mesma Noite”, que reconta o trágico incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS). O caso completou 10 anos na sexta-feira (27) e, após repercussão na web, um grupo de familiares das vítimas e moradores de Santa Maria decidiu se organizar e entrar com uma ação judicial contra o streaming.
Baseada no livro de mesmo nome, escrita pela jornalista mineira Daniela Arbex, a série mistura realidade e ficção, com as vítimas do incêndio e seus pais e amigos sendo interpretados por atores. Segundo informações do Gaúchazh, o movimento está revoltado com a produção.
O coordenador do grupo, o empresário Eriton Luiz Tonetto Lopes, que perdeu Évelin Costa Lopes na época, sua filha de 19 anos, afirma que a plataforma não recebeu autorização para dramatizar a história. “Nós fomos pegos de surpresa, ninguém nos avisou, ninguém nos pediu permissão. Nós queremos saber quem está lucrando com isso. Não admitimos que ninguém ganhe dinheiro em cima da nossa dor e das mortes dos nossos filhos”. Declarado Eriton. De acordo com ele, há pais passando mal com a série, e tendo que continuar a terapia.
Os familiares apontaram que não foram comunicados sobre o lançamento ou conteúdo da série e autorizaram o uso das histórias para “fins lucrativos”. Classificando a produção como uma “exploração financeira da tragédia”, o grupo contratou uma advogada de Santa Maria para orientá-lo juridicamente, conduzido o caso contra a Netflix e questionar a destinação dos lucros da produção.
Os próximos passos estão sendo discutidos em um grupo de WhatsApp. “Queremos entender quem autorizou, quem foi avisado, porque muitos de nós não fomos. Há pais passando mal por causa da série. O mínimo que exigimos agora é que uma parte do lucro seja repassada para tratamento de sobreviventes e para a construção do memorial da Kiss. Nós não queremos nenhum dinheiro para nós”, acrescentou Lopes.
Em conversa com o portal Gaúchazh, a advogada Juliane Muller Korb determinou que o ponto crucial da ação é abordar a responsabilidade afetiva e social dos streamings. “Todas as famílias sentiram a mesma dor, mas de forma distinta, inclusive em relação a esta série. Todas têm mágoa com o poder judiciário e com a impunidade até aqui. A grande questão é que faltou sensibilidade, por parte da Netflix, de fazer um contato com os pais. Não para pedir nem coibir a licença poética, pois a história não tem dono, mas para avisar que seria algo totalmente diferente de tudo que eles já viram”, explicou ela.
O problema seria, de fato, a dramatização da história e mistura entre fatos e ficção. “Eles estavam preparados para um documentário, não para uma série dramática. Os pais e os sobreviventes estão “acostumados” a ver materiais jornalísticos, com reproduções e relatos fidedignos. Mas a série é diferente. O impacto foi muito forte porque é uma simulação, uma reprodução, com rostos diferentes, com atores. Eles estão “acostumados” com a pós-tragédia. E a série mostra o antes, então, é como se ocorresse de novo. É uma linha muito tênue entre ficção e realidade”, pontuosa Juliane.
A profissional garantiu que pretende fazer a interlocução com a Netflix, para negociar a doação de parte dos lucros para as vítimas, os sobreviventes e à construção de um memorial. Korb também iniciou que o processo por danos morais e sequelas médicas é viável, já que alguns pais declararam para a terapia após o lançamento da série. O registro da ação deve ser feito ainda nesta semana.
Até o momento, a Netflix não se manifestou sobre os questionamentos dos familiares.
A tragédia
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, aconteceu em 2013 e completou dez anos nesta sexta-feira (27). A maioria das vítimas sofreu asfixia devido a gases tóxicos liberados pela queima do revestimento de espuma instalado irregularmente no local, que foi atingido pelas chamas de um show pirotécnico durante um show.
O acidente causou a morte de 242 pessoas, mais de 636 feridos e é considerado, até hoje, uma das maiores tragédias já vistas no Brasil. Desde o ocorrido, os processos correm na Justiça, mas nenhum réu foi responsabilizado.
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