Casos de atendimento têm sido frequentes em escolas de SP, como o Porto Seguro em Valinhos, e em outras partes do Brasil. ‘A senhora é parceira dessas manifestações criminosas’, afirma Angela Soligo. Mensagem com imagem de Hitler foi encaminhada em grupo de WhatsApp em que jovem negro foi incluído Reprodução/EPTV A expulsão de oito alunos da escola de elite Porto Seguro em Valinhos (SP) após registros de apologia ao racismo e nazismo em um grupo de WhatsApp e outros casos semelhantes em unidades de ensino pelo país garantiram a exclusão: o que acontece com estudantes e professores que cometem essas violências? Em que momentos históricos ficaram de ter a tutela na cultura deles? Em busca desses esclarecimentos, o g1 conversou com a doutora em psicologia e docente da pós-graduação da Unicamp Angela Soligo, que demonstrou de maneira fisiológica fatos que podem, sim, ter contribuído com uma sucessão de atos criminosos disfarçados de liberdade de expressão. “Uma coisa é liberdade de expressão, e outra é incitação da violência e cometer crimes, ainda que verbais. Apologia ao racismo, nazismo, violência contra mulheres, oposições homofóbicas. Você está em um outro campo que não é o da liberdade de expressão. Todos esses elementos são vedados pela Constituição, que diz que é crime. A liberdade tem limites, e o limite é a responsabilidade sobre o que você faz.” O movimento “escola sem partido” também contribui para o comportamento que a sociedade testemunha hoje, segundo Angela. A polêmica ganhou espaço em 2015 e 2016 defendida por pais contrários ao que chamavam de “doutrinação ideológica” nas salas de aula. A ideia inicial era proibir professores de manifestarem posicionamento político, ideológico e de gênero junto aos seus alunos. O projeto entrou em discussão no Congresso Nacional, mas acabou arquivado em 2018. Para a educadora da Unicamp, ficou sequelas da falta de profundidade sobre temas históricos, e outros, que passou a ser vista em algumas salas de aula. “Nos últimos anos, educadores foram muito tolidos pela ideologia do ‘escola sem partido’. Muitas aprendizagens que poderiam ter esperado na escola não aconteceram. sequestro de negros ao desfavorecimento de negros hoje. Essas pessoas vão repetir coisas e não têm noção do que estão dizendo. Símbolos nazistas foram compartilhados em grupo de WhatsApp em que jovem negro foi adicionado Reprodução/EPTV No caso de Valinhos, que segue em investigação pelas autoridades policiais, o grupo de WhatsApp de alunos encontrou mensagens com referências a ditadores, como o nazista Adolf Hitler e o fascista italiano Benito Mussolini. Uma conversa transitou entre mensagens racistas, machistas, gordofóbicas e xenofóbicas. A denúncia foi feita por um estudante negro de 15 anos. “Esses meninos por meio de um WhatsApp expressam racismo e apologia ao nazismo, e é preciso que a sociedade entenda que essas duas coisas são crimes previstos na Constituição Brasileira. de estudantes. Não. Eles cometeram crime. Num nível verbal, mas, sim, é crime”, destaca Ângela Soligo. Mensagem xenofóbica foi enviada em grupo de estudantes de colégio particular de Valinhos Reprodução/EPTV Mais casos pelo Brasil Recentemente, na região Sul do país, uma professora foi afastada por suspeita de injúria racial após uma aluna negra dizer ter ouvido dela “preta sebosa e encardida “, e um professor está sendo investigado depois de se declarar “fã de Hitler” e dizer que “sempre quis ser nazista”. Oito alunos são expulsos do colégio após estudante denunciar ataques racistas com referências a Hitler em grupo de WhatsApp Professora é afastada suspeita de injúria racial contra aluna no Paraná: ‘Sua preta sebosa e encardida’ ‘Macaca’ e símbolos nazistas: professora negra de SP sofre ofensa racista em lista de alunos e acha suástica e SS em escola municipal ‘Sentiu a câmara de gás’ e ‘apanha’: as mensagens de ódio e preconceito em grupo com alunos de escola tradicional de SP Professor de história de escola pública de SC elogia nazismo na web e é investigado Em SP, na última semana, uma professora negra contornou que sofreu ofensas racistas e encontrou uma suástica em uma carteira da sala de aula. A palavra “macaca” estava escrita no lugar do seu nome na lista de presença de uma turma em uma escola municipal na Zona Sul de São Paulo. “É claro que esse momento de polarização favorece essas coisas que são exceção acontecem. É preciso entender que isso não acontece do nada. Há pessoas de extrema direita que têm se sentido à vontade de expressar o racismo e suas fobias sociais”, diz a educadora da Unicamp. A professora de sociologia Ana Koteban foi chamada de ‘macaca’ na ficha de presença de alunos e depois viu símbolos nazistas na carteira da Escola Municipal de Ensino Fundamental e Médio (EMEFM) Professor Linneu Prestes, em Santo Amaro, Zona Sul de São Paulo Reprodução /Divulgação/Google Maps Medidas punitivas x reeducar Ângela defende que medidas punitivas, como a expulsão de alunos da escola e afastamento de professores, são necessárias, uma vez que a aparente impunidade em relação a esses acontecimentos só aumenta a chance de eles se repetirem. No entanto, não é suficiente tirar um aluno ou um professor da sala de aula, é preciso ir mais a fundo. “Se eles construíram nesse ambiente, é porque de alguma maneira eles se sentiram à vontade para fazer. Agora, precisa ter a discussão interna sobre esses assuntos, fazer uma formação, problematizar. Por que o racismo é crime? Por que o nazismo é crime ?O que isso representa na nossa sociedade? [Explicar] que o racismo mata”. Angela Soligo, investigadora e professora da Unicamp Arquivo pessoal “A base da escola é educativa, é problematizar, fazer refletir, trabalhar com filmes, com estudos de caso, notícias de jornal. E fazer isso relacionando com o conhecimento escolar. Eles têm disciplinas de história, geografia, filosofia. Tem muita coisa para aprender a partir disso”, completa. Estabelecer o diálogo com os pais dos alunos envolvidos com essas ocorrências também é algo necessário segundo a educadora. “Isso [discriminação] veio de algum lugar, também dos meios de comunicação, internet, mas também é preciso fazer um diálogo nestas famílias. Com os meninos expulsos [no Porto Seguro] e com as de todos. Fazer um trabalho de cooperação para que escola e família atuem juntas no combate a essas formas criminosas de pensar o outro e se expressar em relação ao outro”. Conteúdo machista também foi encaminhado em grupo com jovem negro de escola particular de Valinhos Reprodução/EPTV ” Acredito que a decisão da expulsão não foi imposta, mas responsável. E, agora, a tarefa da escola é no dia a dia, no cotidiano. Não deixe que as pessoas pensem que eles se foram e está tudo bem. Provavelmente não responderão criminalmente, mas é preciso conversar com as famílias desses meninos expulsos para não gerar a vitimização deles”, acrescenta. O caso de Valinhos está em investigação na Polícia Civil com encaminhamento ao Juizado da Infância e Juventude. Em nota, o Colégio Porto Seguro disse que “reforçará suas práticas antirracistas, de conscientização e respeito à diversidade, em todos os câmpus, abordando o assunto de forma ainda mais contundente em suas pautas cotidianas, com iniciativas envolvendo a comunidade escolar”. “É importante para aquele menino e aquela menina negra que foram humilhados sentemem que a escola fez alguma coisa e se colocou ao lado deles. Para todas as crianças jovens negras saberem que têm o direito de denunciar e serem protegidas”. Conteúdo machista também foi encaminhado em grupo com jovem negro de escola particular de Valinhos Reprodução/EPTV ‘É preciso ter direito de falar sobre isso’ movimento “escola sem partido” deixou muitos professores perdidos. Diante dos últimos acontecimentos, preciso levar a discussão desses temas históricos de maneira mais enfática para a sala de aula. “É preciso ter direito de falar sobre isso”, afirma. “Trabalhar com filmes , curtas, tem tantos bons para fazer a discussão. A linguagem do cinema cria engajamentos, sentimentos em relação ao tema. Não silenciar jamais diante de uma atitude racista, ou discriminatória, de um estudante em relação ao outro. Viu uma risadinha, um apelido, chama para a discussão. Não humilha publicamente, mas chama o estudante que cometeu. Trazer a reflexão, nunca silenciar”. Ela destaca que é missão da escola ajudar crianças e jovens a entender como pensar o Brasil de outra forma. Entender as violências inúmeras que estão presentes no cotidiano, praticadas não só por incidentes e agressores, mas por vizinhos , familiares e colegas de sala de aula. “O silêncio da escola é terreno para o crescimento da violência escolar. Não silenciar. Dioálogar. Isso é fundamental, trazer para o diálogo e para a reflexão”. VÍDEOS: veja outros destaques da região Veja mais notícias da região no g1 Campinas
Fonte G1