Horas antes de vestir a faixa presidencial em Lula, a catadora de lixo reciclável Aline Sousa trabalhava na limpeza e na reciclagem de lixo da posse na Esplanada dos Ministérios. Sousa havia sido convidada dias antes para subir a rampa com o presidente, mas não levava fé de que o convite se concretizaria.
A associação presidida por Sousa, a Central das Cooperativas de Trabalho de Catadores de Materiais Recicláveis do Distrito Federal (CentCoop), foi contratada para reciclar os resíduos da posse. Cerca de 120 catadores atuaram na Esplanada dos Ministérios e em locais onde os manifestantes petistas acamparam, a exemplo do estádio Mané Garrincha. O grupo também fez a limpeza na Granja do Torto e no Parque da Cidade.
A coordenadora desse trabalho, Aline Sousa chegou cedo à Esplanada dos Ministérios, na manhã do domingo (1º/1), vestindo uma camisa com a palavra “Reciclagem”. A catadora de 33 anos passou também no estádio para supervisionar o serviço e ajudar os colegas.
“Na hora do almoço, a pessoa da Presidência que tinha falado comigo antes de me ligar e falou: ‘Aline, onde você está? Quer deixar a gente louca?”, lembrou Sousa, em conversa com a coluna.
Depois de subir a rampa do Planalto, a catadora acompanhou de perto Lula recebendo cumprimentos de chefes de Estados e foi à recepção no Itamaraty. De noite, Aline Sousa decidiu voltar a trabalhar. Pediu companhia a um colega e sofreu à tenda de reciclagem na Esplanada, perto do palco de shows. Foi ovacionada e se emocionou ao reencontrar sua avó, catadora, que também guardou na triagem de garrafas, latinhas e papéis naquele dia.
“Na tenda, o pessoal ficou me aplaudindo e abraçando. Minha vó também estava lá trabalhando. Eu olhei os olhinhos dela… Ela estava muito feliz”, lembrou Aline Sousa.
A catadora teve uma infância pobre no Distrito Federal. Até os 17 anos, só tinha a certeza de nascimento. Recebeu uma carteira de identidade quando estava para entrar no programa de jovem aprendiz da Caixa Econômica. Foi ajudada por funcionários do banco para obter os documentos necessários antes de assinar o contrato.
Em 2020, no auge da pandemia, chegou a cursar dois semestres de direito no IDP, faculdade particular em Brasília, depois de obter uma bolsa de 90% de desconto. Quando as aulas eram voluntárias ao esquema presencial, abandonava os estudos. A rotina com os sete filhos é pesada. Agora, planeja voltar a estudar direito em um curso virtual. Quando isso acontecer, disse, espera começar um estágio no escritório de advocacia que presta serviços à CentCoop.
“Eu poderia ter feito assistência social ou administração, mas minha história me trouxe uma sede por justiça. Eu via o governo destruindo nossa casa na ocupação e via retirada de direitos. Não era porque trabalhava com lixo que a gente era lixo”.
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