Apesar de acordo inédito para CLT, estigma e ‘vida nômade’ afastam profissionais do sexo de registro: ‘Sofre muito preconceito’

Campinas e Região



Ministério Público do Trabalho celebrou TAC com dois estabelecimentos de Itapira após fiscalização com denúncia de trabalho escravo. Profissional do sexo e dono de estabelecimento relatam dificuldades. Profissional do sexo trabalha em estabelecimento de Itapira Reprodução/EPTV A celebração do primeiro acordo no Brasil que vinculava vínculo empregatício para profissionais do sexo, em Itapira (SP), deve abrir caminho para novos contratos em carteira, mas também esbarrar em estigma e perfil “vida nômade” de quem atua de forma temporária em busca de dinheiro. O Ministério Público do Trabalho da 15ª Região (MPT-15), com sede em Campinas, fez um acordo com dois estabelecimentos da cidade. O primeiro já realizou o registro de três profissionais, enquanto o segundo ainda está em tratativas para formalizar contratos de dez mulheres que trabalham no local. O caso está sob sigilo e o prazo para regularização é de 30 dias, sob pena de punição de R$ 2 mil por trabalhador em caso de cláusula descumprida no documento. Preconceito e mudanças A EPTV, afiliada da TV Globo, conversou com uma das mulheres da cidade que pode ser beneficiada pela medida , e ela considerou que prefere não ter contrato em carteira, apesar dos benefícios trabalhistas previstos em lei. Tati, como pediu para ser chamada, relatou preconceito e disse que as pessoas “mudam” quando descobrem que alguém trabalha como profissional do sexo. “Mesmo que eu não tenha vergonha do que faço, a gente sofre muito preconceito. Eu não quero carteira assinada, mesmo tendo benefícios […] Não pretendo ficar pelo resto da vida, pretendo ficar um tempo, enquanto achar bom”, falou uma mulher que começou a fazer programas há duas semanas. Segundo ela, a atividade costuma ser mais lucrativa para quem muda de lugar. Por isso, geralmente os profissionais do sexo permanecem pouco tempo em cada espaço e há rotatividade nas casas. registros em carteira. “Acho que vai ser 70% não, e 30% sim”, avaliou. O dono de uma das casas, Aparecido Pereira de Souza, também pontuou que a maioria não deseja ter registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social por desconsiderar hipótese de espaço fixo. “Elas são meninas que rodam o Brasil. Hoje está aqui, trabalha uma semana, aí sai e vai para outra casa. Aí como registrar? Se elas quiserem, eu assinei o papel no Ministério Público em Campinas. A menina que quiser ser registrada, a gente registra. Não é problema”, alegou. Segundo ele, em uma série de casos os profissionais do sexo ficam no imóvel de maneira temporária até conseguir arrecadar determinado valor financeiro para ajudar a família ou emergência emergencial. Veja abaixo entrevista. Em acordo ininterrupto, 3 profissionais do sexo conquistam vínculo empregatício em Itapira LEIA MAIS Entenda como acordo vai beneficiário profissionais do sexo Acordo foi celebrado em estabelecimentos de Itapira Termo foi assinado após vigilância conjunta em junho A vigilância De acordo com o MPT, durante a perseguição não foram constatadas situações de exploração sexual, tráfico de pessoas e trabalho escravo. Após vistoria nas condições de alojamento, alimentação e remuneração, os órgãos verificaram vínculo informal de trabalho. O processo corre em sigilo. A função de profissional do sexo inclusive consta na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) no verbete “profissional do sexo”, com o número 5198. O que é crime é o ato de tirar proveito da prostituição, o que caracteriza a exploração sexual. A descrição menciona profissional do sexo como pessoas que “buscam programas sexuais; atendem e acompanham clientes; participam em ações educativas no campo da sexualidade. As atividades são conduzidas seguindo normas e procedimentos que minimizam a vulnerabilidades da profissão”. A carteira de trabalho é o documento que registra a vida profissional do trabalhador, incluindo acordo sobre salário com empregador. Ela garante o acesso a direitos previstos em lei, como férias e seguro-desemprego, e serve para a comprovação do tempo de aposentadoria. Acordo reconhece pela 1ª vez no Brasil vínculo empregatício para profissionais do sexo Reprodução/EPTV O que muda? O g1 ouviu um advogado especializado em direito trabalhista para entender se existe um impacto que pode ser acordado a outros profissionais do sexo, como do Jardim Itatinga, em Campinas, o único bairro projetado para prostituição do Brasil. Segundo Rafael Bacchiega Brocca, do ponto de vista da seguridade social, como recolhimento do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS), a mudança é positiva. Entretanto, para ter uma carteira assinada, o profissional terá de ter vínculo empregatício com algum estabelecimento e, segundo ele, esse é o problema, por ser um local que pratica o ato ilícito de se aproveitar da prostituição. “Eu acho complicado essa questão, eu não vejo como isso pode funcionar na prática. Só como exemplo para ilustrar, seria como um bicheiro do jogo do bicho pedir o vínculo empregatício. Ele está ali trabalhando, mas o jogo do bicho é ilícito, então não cabe”, explicou. A procuradora do MPT que autou no caso, Andréa Tertuliano de Oliveira, avaliou que o caso “parece ser” o início de uma nova vertente para assegurar os direitos trabalhistas de profissionais do sexo. Segundo ela, o local onde as mulheres beneficiárias operam subsiste graças ao trabalho delas, e o fato delas estarem em um espaço como o estabelecimento é mais seguro do que continuar nas ruas. “Afora nosso preconceito, afora a hipocrisia de achar que essas mulheres não existem ou a gente tapar com a peneira e falar que ‘não’, que ‘não é bem assim’, elas existem, elas trabalham, filhos e elas precisam ter direitos de aposentadoria, auxílio-saúde, auxílio-maternidade, e pensões no caso quando houver o óbito né?”, falou Andréa ao ressaltar que cada uma tem uma história. A procuradora do MPT-15 Andréa Tertuliano de Oliveira Reprodução/EPTV Ela ponderou também que há um desmerecimento social da atividade. “Eu não quero entrar aqui no juiz do valor se é ou se não é razoável […] Existe uma questão. E uma vez que essas pessoas funcionam efetivamente, elas têm que ter mínimos direitos trabalhistas”, afirmou. Por outro lado, ela diz que ainda há uma preocupação se o acordo vai cair em “ostracismo jurídico” por conta de críticas que podem surgir sobre o acordo.

Fonte G1

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