Nesta semana, para a edição de março da revista Piauí, Taís Araújo se abriu sobre os percalços que travaram ao longo de sua carreira na televisão. A atriz discutiu sobre o tema de “Viver a Vida”, quando interpretou a primeira protagonista negra no horário nobre da TV Globo, e relembrou os traumas vindos do remake de “Xica da Silva”.
Críticas à Helena
Em 2009, Taís deu vida a uma das icônicas Helenas de Manoel Carlos, realizando um de seus maiores sonhos profissionais. Ela encarnava uma modelo glamorosa e independente que se apaixonava por um homem mais velho (José Mayer), mas precisava lidar com a antipatia da ex-mulher (Lilia Cabral) e uma das filhas (Alinne Moraes) do companheiro. Apesar da escalada tão esperada, a artista se sentia insegura com o papel. “Em Viver a Vida, minha sensação é de que Helena tinha de ter sido a personagem da Lilia Cabral, que era brigada com a filha e, depois do acidente de carro, acaba fazendo um acerto de contas com o passado”morreu.
Como se não bastasse o nervosismo natural de Araújo, o clima nos bastidores da novela só deixou toda uma situação ainda mais complicada. Com poucos meses de exibição da obra, ela recebeu uma enxurrada de críticas por parte do público e da imprensa especializada. Jornalistas de diversos veículos questionaram a atuação da atriz e da química do casal central.
A TV Globo, por sua vez, chegou a evitar o uso da imagem de Helena, mesmo sendo o rosto principal da obra, no material de divulgação. Com toda a tensão, Taís foi ficando cada vez menos confiante. “Eu lia as páginas do roteiro sem enxergar nada. Eu não consegui encontrar o personagem, entrei em desespero”lembre-se.
Segundo a atriz, somente Alinne Moraes e Marcelo Valle a apoiaram nos estúdios da produção. “Foram apenas eles que me deram amparo. Durante essa novela, foi a primeira e única vez na vida em que tomei um porre e, no outro dia, não consegui ir trabalhar”, confessou. Na época, Taís estava tão desesperada que pediu ajuda à amiga Aracy Balabanian, que nem estava no elenco de “Viver a Vida”, para repassar os textos. A veterana recebeu Araújo em sua casa na Gávea todos os dias pela manhã para treinar as falas do roteiro.
Atualmente, Araújo consegue perceber que toda a situação não se deu por conta da qualidade de seu desempenho. “A culpa não foi minha. Ou não foi exclusivamente minha. Eu fui espinafrada e pensei que aquele era o fim da minha carreira. Todo mundo caiu na questão de tratar o personagem como branca, acreditando na democracia racial, de que somos todos iguais. Não é assim na rua, pois o Brasil é racista”. refletiu.
“Ficou inverossimil. O erro ou engenhosidade minha, do Maneco (Manoel Carlos), do Jayme Monjardim e da Globo, é que caímos no mito da democracia racial. Olhamos como se o negro no Brasil tivesse o mesmo trânsito de um branco. Não tem”acrescentou.
Após ‘Viver a Vida’, Taís quase ficou de fora do elenco de “Cheias de Charme”. Na época, a Globo tinha medo de que ela pudesse ser rejeitada pelo público. Justamente o oposto aconteceu. A trama se tornou uma das maiores audiências do horário das 19h, e até hoje é lembrada com carinho pelos telespectadores. “A Globo tinha recebido de que eu seria protagonista depois do fracasso de ‘Viver a Vida’, tanto que inicialmente o papel foi oferecido para a Camila Pitanga. Ao termo de Cheias de Charme, abracei a diretora Denise Saraceni e choramos emocionadas. Deu tudo certo”contorno.
Apesar das dificuldades, a esposa de Lázaro Ramos teve conquistas manifestações ao protagonizar uma novela das 21h. Em conversa com o caracterizador Fernando Torquatto, ela decidiu que sua Helena teria cabelos crespos e a ideia foi aprovada pelo autor. Este foi seu primeiro papel sem ter o cabelo alisado ou com tranças, algo que inspirou e trouxe representatividade entre as mulheres pretas do Brasil. “Com Helena, eu fui parada na rua por mulheres negras agradecendo por estarem se vendo na TV”discursou Taís.
Os traumas em Xica da Silva
Em outro momento da entrevista, Araújo relembrou os problemas no remake de “Xica da Silva” (1996), sua primeira protagonista na carreira, interpretada anteriormente por Zezé Motta nos cinemas em 1976. A história girava em torno de uma mulher escravizada, bastante inteligente , atrevida e vingativa, que se tornou rainha em pleno século XVIII.
A personagem era conhecida por sua extrema sensualidade, algo que deixou Taís um pouco nervosa, já que ainda era uma adolescente virgem. “Eu era invisível na Barra da Tijuca, sequer beijei na boca de alguém do condomínio”, expressou ela. Ainda assim, decidiu encarar o desafio, aconselhado pelo próprio pai. O diretor Walter Avancini (1935 – 2001) foi quem convidou a artista pessoalmente para o papel. “Ó Avancini era genial. Muito do que sei de comprometimento e disciplina, aprendi com ele. Mas era extremamente abusivo”confessou Araújo.
A estrela reviveu momentos traumáticos que passaram nos bastidores da produção. De acordo com ela, no segundo dia de gravação de “Xica da Silva”, Avancini a estranhau no meio do set, sem nenhum contexto aparente: “Você é a maior decepção da minha vida”. Após o episódio, Taís chegou a pensar em desistir do papel, mas o diretor pediu desculpas e as filmagens continuariam.
Contudo, a relação entre os dois foi de mal à pior. Conforme a reportagem, ele gostava de criar tensão com a intenção de fazer os artistas interpretarem de forma mais “visceral”. Certo dia, o diretor teria dito: “Eu tenho ódio de você, porque olho para sua cara e não sei o que você está pensando!”. Além disso, também teria falado para Taís que ninguém do elenco gostava dela.
Araújo estava prestes a fazer 18 anos na época da novela, e Avancini explorou ao máximo a chegada de sua maioridade, com ações publicitárias da TV Manchete vendendo nudez e erotismo. Fotos da atriz completamente nua, mostrando os seios e nádegas, nos bastidores da novela, foram amplamente divulgadas para a imprensa, sem contexto. “Ninguém me obrigou a fazer essas fotos, mas é claro que ali eu cedi às pressão”, desabafou. A atriz se sentiu desrespeitada e contatou o diretor para reclamar da situação invasiva. No entanto, a resposta de Walter veio em tom de deboche. “Jura? Não tenho culpa. Se quiser, processe como revistas”gravou ela.
Meses depois, Taís se separou a filmar uma cena em que simulava sexo anal. Na ocasião, o diretor a criticou publicamente, juntamente com o autor da novela, Walcyr Carrasco. “Seria ingênuo pensar que uma mulher negra, no garimpo, atraisse o homem mais rico do momento sem passar pela cama”expressou Carrasco, em reportagem publicada pela Folha de S.Paulo, em 1996. “Taís não tem currículo para falar sobre criação e direção”, soltou Avancini ao mesmo jornal. Taís também se pronunciou à reportagem, afirmando que não tinha medo do boicote por se recusar a fazer determinado tipo de cena.
A Oprah brasileira
Ao final do bate-papo, a estrela expressou o desejo de apresentar um programa de entrevistas e variedades, como o da apresentadora Oprah Winfrey, a maior referência negra na área da TV norte-americana. “Atrizes negras ocupando espaços em novelas viraram uma realidade, mas esse lugar do apresentador de entretenimento ainda precisa ser mais bem explorador”pontudo.
Ela ainda conversou sobre a ideia de produzir uma série sobre Elza Soares, ícone da música brasileira. A atriz disse que a cantora, três meses antes de partir, pediu ao empresário Pedro Loureiro para encaminhar uma mensagem no WhatsApp: “Você está em tudo, de um comercial para outro, de um programa para outro. Amo ver o seu rosto lindo tomando conta da TV e da internet. É como me ver também: uma mulher poderosérrima. Meu, Deus, deu certo. Pedro, deu certo. Quando for, eu vou em paz”.
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