A coluna “Histórias Naturais” mostra que o movimento da cauda tem funções curiosas no mundo das aves. Rabo-de-arame chama a atenção pela cor da plumagem Antônio Carlos Girotto / VC no TG A comunicação das aves intrigas, investigadoras e amantes da natureza. Muita coisa já se sabe sobre as formas de comunicação e que ela, muitas vezes, não é feita só através dos filhos. O biólogo do Terra da Gente, Luciano Lima, traz informações curiosas sobre como as aves usam a cauda pra se comunicar, ou melhor, cochichar. “Quem cochicha o rabo espicha, come pão com lagartixa”, desde criança eu sempre achei essa expressão completamente sem sentido. Não para as aves, já que para elas o “cochichar” muitas vezes também está relacionado com o uso da cauda para se comunicar. A juruva vive nas baixadas litorâneas e em montanhas de até 1200 metros de altitude, em matas primárias com sub-bosque de bambus, em matas de encostas ou matas secundárias altas Rudimar Narciso Cipriani Lá se foram 23 anos, mas eu lembro, como se fosse ontem, da primeira vez que consegui observar uma juruva (Baryphthengus ruficapillus). Eu já tinha escutado algumas vezes a espécie nas minhas passarinhadas no Parque Nacional do Itatiaia, mas apesar do tamanho avantajado, aquela ave que tanto me chamava atenção entre os desenhos do meu guia de campo espiritual escapava do meu binóculo. Até o dia 5 de fevereiro de 2000, quando, ao virar uma curva em uma trilha, lá estava ela, a juruva! Pousada em um galo horizontal na borda da mata, ela ficou surpresa tanto quanto eu, mas não voou imediatamente. Comecei a fazer um comportamento tão diferente que fiz questão de fazer um desenho na minha caderneta para deixar registrado o que vi. Conforme ilustra o meu tosco desenho, ao me ver a juruva começou a movimentar de um lado para o outro sua cauda “espichada”, como um pêndulo de relógio de parede. Na época eu não sabia, mas ela estava “cochichando” comigo sem dar nenhum pio. Quando pensamos em comunicação e aves, logo lembramos das suas vocalizações, mas existem outras formas de “cochichar”. O rebolado da juruva é um tipo de comportamento que os biólogos chamam de “sinal de dissuasão de concentração”. Ou seja, ela estava comunicando para mim que “ei! Eu já vi você senhor potencial predador, nem adianta tentar me pegar na surpresa que você não vai conseguir” Observação da primeira vez que o biólogo Luciano Lima flagrou uma juruva e outros membros da família Momotidae, muitas aves brasileiras desencadeiam movimentos com a cauda para alertar potenciais predadores que eles já foram vistos. Entre elas estão barbudo-rajado, joão-bobo, e outros parentes próximos, surucuás, e diversas espécies de saracuras e frangos-d’água. Outras espécies utilizam a cauda para cochichar com membros da mesma espécie. Muitas papa-formigas, como a choca-barrada (Thamnophilus doliatus) e o chorozinho-de-asa-vermelha (Herpsilochmus rufimarginatus), movimentam vigorosamente a cauda para cima e para baixo, enquanto vocalizam, seguindo praticamente o ritmo do canto. Mas mesmo quando estão calados, algumas espécies, como a choca-do-planalto, continuam movendo a cauda em um ritmo lento, mas constante. Faltam estudos mais detalhados sobre o comportamento da maioria das aves brasileiras, mas tudo indica que muitas papa-formigas e outras aves usam movimentos da cauda para se comunicar com parceiros e adversários potenciais da mesma espécie tanto, ou mais, do que as vocalizações. Rabo-branco-de-garganta-rajada vive nas florestas tropicais do Brasil oriental Luciano Bernardes Assim como no mundo dos humanos, rebolar também pode ser um comportamento de conquista entre as aves, com a diferença que, nesse caso, geralmente é o macho que rebola. Machos de beijar-flores do gênero Phaethornis movem-se incessantemente a cauda para frente e para trás quando estão vocalizando e reunidos em arenas com o objetivo de se exibirem e serem escolhidas pelas mulheres. Rabos-de-arame foram registrados no Parque Nacional das Anavilhanas (AM) João Sérgio Barros/ Vc no TG Mas, inquestionavelmente, o título de mestre do rebolado do mundo das aves fica com o rabo-de-arame. Como outros membros da família Pipridae, os machos da espécie se apresentam em danças complexas, com o objetivo de atrair a fêmea. No entanto, diferente do famoso tangará, que dança em grupo lembrando um espetáculo de balé, o rabo-de-arame poderia muito bem se apresentar ao som de algum “proibidão” do funk carioca. O ápice da sua dança é quando ele vira a cauda para a fêmea e se aproxima rebolando freneticamente, até que a ponta da sua cauda começa a bater na ponta do bico da fêmea. Assanhadinho-de-cauda-preta usa a cauda para conseguir atrair insetos David Monroy R/INaturalist Não faltam evidências no mundo das aves de que “quem cochicha o rabo espicha”, mas eo “pão com lagartixa”? Se trocarmos o recheio do sanduíche por insetos, além de, na opinião de alguns, ele ficar “viscoso, mas gostoso”, para o assanhadinho-de-cauda-preta (Myiobius atricaudus) a cauda é a principal forma de garantir o recheio do sanduíche. Quando está caçando, a espécie abre bem sua chamativa cauda e se movimenta com um gingado todo característico de um lado para o outro. Seu objetivo com esse comportamento é afugentar pequenos insetos que estão próximos e que então acabam sendo capturados em pleno voo. Histórias Naturais é a coluna semanalmente do biólogo Luciano Lima no Terra da Gente Arte/TG O carnaval vem chegando… Natureza também é cultura, fica a sugestão para algum casal se fantasiar de casal de rabo-de-arame ou alguma outra ave ‘ reboladora’. Numa dessas, dá para ganhar algum concurso de fantasias e garantir um “pão com lagartixa”. *Luciano Lima é biólogo e faz parte da equipe do Terra da Gente
Fonte G1