Depoimentos ouvidos pelo g1 trazem momentos de dificuldades financeiras, conflitos familiares, transfobia e reinvenção por meio de atividades culturais. Paolla Bathory, de 31 anos, é moradora de Sumaré (SP) Arquivo pessoal Paolla Bathory, de 31 anos, passou por muitas dificuldades até conseguir sua independência financeira em Sumaré (SP). Precisou deixar a casa dos pais cedo porque o pai havia abandonado a família, o que, segundo ela, ocorreu devido à identidade de gênero da filha. No mercado de trabalho, novamente ser transexual parecia criar uma barreira à sua ascensão profissional. Moradora da periferia de Campinas (SP), a travesti Puma Camillê, de 29 anos, também relata percalços até descobrir um lugar onde se sentisse pertencida, processo que se deu por meio da capoeira e da dança. Antes, ela conta que sofria pressionada para se encaixar no gênero masculino. No Dia da Visibilidade Trans, comemorado neste domingo (29), Paolla e Puma detalharam ao g1 as dificuldades e conquistas presentes em suas histórias. Além disso, enfatizaram a importância de visibilizar, além das demandas reivindicadas pela comunidade LGBTQIA+ em geral, como reivindicações específicas das pessoas trans. ‘Ele abandonou a família porque eu era LGBTQIA+’ Paola Bathory, de 31 anos, é trans e reside em Sumaré (SP) Arquivo pessoal “Tive que começar a trabalhar cedo para ajudar em casa com a família, com a mãe, porque o pai abandonou a família. Soube pouco tempo depois que ele morreu que ele abandonou a família porque eu era LGBTQIA+”, lembra a gestora Paolla Bathory, de 31 anos. Paolla é uma mulher trans que nasceu em Bom Jesus do Tocantins (PA), começou a trabalhar aos 12 anos e precisou deixar a casa da mãe para ir em busca de emprego enfrentando a transfobia do mercado de trabalho: “tive que encontrar maneiras de me sustentar fora do mercado de trabalho. Vendendo produtos de beleza, saindo de porta em porta”. A primeira parada de sua trajetória foi Brasília (DF), onde funcionou como caixa em uma rede de supermercados. Ela conta que, mesmo buscando cursos de qualificação, não conseguiu alcançar a ascensão profissional por conta da identidade de gênero. Paolla diz que, na oportunidade, foi taxada de “espetaculosa” e “muito colorida”. Paolla Bathory fala sobre a dificuldade de pessoas trans para conseguir emprego Frustrada, a gestora voltou para a casa da mãe, no interior do Pará, antes de decidir se arriscar na maior metrópole do país. “O povo fala que São Paulo é bom de emprego, São Paulo é movimentado, é uma metrópole que nunca dorme”, relembra. Chegando a Santo André (SP), na Região Metropolitana de São Paulo, ingressou em um curso de maquiagem, mesmo sem gostar. Sobre a situação, Paolla lamenta a resistência do mercado de trabalho a mulheres trans. “Ou é operadora de caixa, ou tá na noite, ou tá na área da beleza porque consegue construir um nome porque trabalha muito bem. Às vezes nem tinha vocação, mas é obrigada, porque a sociedade é treinada a gostar de ‘veado’ cabeleireiro”. Paolla Bathory revela caso de transfobia com cabeleireiro Foi nessa situação que Paolla viu a oportunidade de voltar a trabalhar com produtos de beleza e se mudou para Sumaré. Na cidade do interior paulista, conquistou uma carga de liderança na empresa na empresa de cosméticos e conseguiu sua independência financeira, passo que revela ter sido fundamental para ser reconhecida. “É um passo importantíssimo. Recuperei minha dignidade. Você sabe o que é olhar e não poder comprar? Você está sempre no vermelho? Então isso é maravilhoso para mim”. Paolla Bathory fala sobre o combate à transfobia Tabus e desinformação Puma Camillê, de 29 anos, é comunicadora e artista multicultural palavras “travesti, preta e retinta” para definir a si mesma. Diferentemente de Paolla, ela conta que a família esteve ao seu lado durante o processo de se descobrir travesti e sugeriu o afeto que precisava para passar por períodos difíceis. “O meu rendimento era muito mais fácil do grupo das meninas e os professores e os alunos zoavam muito na escola, daí eu já percebia que não era aquele lugar que era para eu estar, explica. Nas rodas de capoeira convencional, Puma conta que lhe era cobrada uma masculinidade que ela nunca conseguiu atender. “Eu já recebi antes do soco na cara, muito chute na barriga, muita ajoelhada, muita zoação […] e fui convidado a não usar a mesma bandeira do grupo porque isso de alguma forma manchava a imagem dele”, relembra. Puma aprendeu a se a expressar através de uma manifestação que une a capoeira com a dança Vogue – estilo criado por mulheres trans e travestis com movimentos definidos por linhas e poses -, frequentando batalhas de performances artísticas entre o público LGBTQIA+, as chamadas ballrooms. “Era uma roda onde todo mundo batia palma, onde tinha uma maestria julgando aquilo, instrumentos, música, canto e retorno, tinha duas pessoas no meio da roda chutando e girando, eu achei que era capoeira. Quando cheguei perto, vi que tinha gente de salto, eram travestis. Eu consegui o máximo e vi que isso de alguma forma isso também vibra dentro de mim”, explica. Ao descobrir o Vogue, pensei que poderia criar algo que unisse as duas práticas que se complementavam dentro dela. Em 2019, criou o coletivo “Capoeira para Todes” com a intenção de construir um espaço para fazer o que amava, de respeito às diferenças e de acolhimento entre os membros, que, em muitos casos, foram expulsos de casa. No Dia da Visibilidade Trans, Puma Camillê ressalta que ser travesti não “Tráz possibilidades de existências fora da fora da binariedade, pois há imensa gama de possibilidade de manifestação de gênero.” “Existe a desinformação e isso dificulta que a informação possa ser circulada, existe um tabu pra falar disso. Me chamar de travesti não é um problema, tem pessoa que acha que é um xingamento. A gente não sabe divulgar ainda”, destaca. Segundo ela, o caminho para viver de forma harmoniosa com a diversidade de gêneros passa por representação política, informação e acesso de mais pessoas trans aos diferentes espaços da sociedade. Puma Camillê, de 27 anos, residir em Campinas Arquivo pessoal *Sob supervisão de Fernando Evans e Hélio Carvalho VÍDEOS: Tudo sobre Campinas e região Veja mais notícias da região no g1 Campinas
Fonte G1