Saiba como a ave foi parar numa das mais famosas canções brasileiras. O tico-tico (Zonotrichia capensis) se reproduz entre a primavera e o verão Rudimar Cipriani Essa letra nem existia, quando Zequinha de Abreu apresentou um chorinho ainda inacabado e sem nome, em 1917, num baile em Santa Rita do Passa Quatro, interior de São Paulo. Os pares pulavam tanto que ele observou, ao pessoal da banda: “até parece tico-tico no farelo”… Assim foi lançada a sua mais famosa composição. Mas ela recebeu o título ‘Tico-tico no fubá’ apenas em 1930 e a letra, escrita em 1931 por Eurico Barreiros, não foi gravada senão em 1942, por Ademilde Fonseca. Ainda há uma outra versão do choro, gravada dez dias antes por Alvarenga e Ranchinho, com uma letra curta (1). Tudo a partir da observação de campo do compositor: o tico-tico (Zonotrichia capensis) vive mesmo pulando, uma técnica usada para remover folhas ou terra que eventualmente cobrem seu alimento no solo (sementes ou insetos). Helmut Sick, o autor do livro de referência ‘Ornitologia Brasileira’, cita que os tico-ticos chegam a pular até quatro vezes consecutivas sem alterar a posição das pernas, jogando para trás o material impeditivo. O nome tico-tico vem do tupi e deriva do seu chamado Rudimar Narciso Cipriani O ritmo e a letra da música nos dão a impressão de um passarinho que não para de comer, e não para mesmo. Só que a dieta natural dele não é o fubá. Morador dos jardins, o tico-tico gosta mesmo é de insetos. Ele não desprezava sementes e nem o fubá, mas seus olhos estão sempre atrás de besouros, larvas etc. Ao observar um deles, a primeira impressão é de um passarinho de bem com a vida. Sempre saltitante no jardim atrás de comida. Na primavera não para cantar. Logo ao primeiro raio de sol começa a assobiar. O canto é simples, assim como a plumagem, pouco colorida. Visto de longe, não dá para confundir com o pardal (Passer domesticus) por causa do topete, que lhe dá certa oxidação. Esperto, é um dos passarinhos mais acostumados ao homem. Às vezes tão abusado, que se aproxima da mesa do café da manhã, atrás de migalhas. Penso simpático ser o adjetivo correto. Como a corruíra, o tico-tico se adapta muito bem às nossas casas, onde quer que haja jardins para caçar. De certo ponto de vista é um protetor das plantas, já que muitas vezes consome insetos negativos, um verdadeiro agente no controle de pragas. Tico-tico alimenta filhote de chupim no bico Ananda Porto/TG Mas vida de tico-tico não é fácil, principalmente na época de reprodução, que se inicia na primavera. O ‘trabalhador voluntário’ dos jardins é explorado ao extremo pela fêmea do chopim (Molothrus bonairiensis), que procura os ninhos de tico-tico para botar seus ovos, livrando-se do trabalho de construir o próprio ninho, chocar os ovos e cuidar dos filhotes. Esse exemplo de parasitismo não ocorre apenas com os tico-ticos, mas a preferência dos chopins por eles é nítida. Talvez porque, ao contrário da maioria das outras espécies parasitadas, o tico-tico não abandona o ninho e aceita o “enteado”. É comum observarmos, nos quintais ou nas praças, uma fêmea de tico-tico esforçando-se muito para alimentar o exigente filhotão de chopim recém-saído do ninho. Não existe uma explicação para esse comportamento, já que o chopim poderia se reproduzir como qualquer outro pássaro. O tico-tico pode ser encontrado em todas as regiões do País, com exceção da Amazônia. Alex Satsukama/VC no TG Diferente do que muitos pensam, o ‘estrangeiro’ pardal – que veio da Europa e tão bem se instalou e se inspirou pelo Brasil – não é o vilão na redução dos tico-ticos. As espécies não competem entre si, embora ambas vivam próximas do homem. Já o parasitismo sim, limita a população de ticos, ao lado da falta de jardins nas cidades. Por mais que nos dê pena da fêmea do tico, essa relação entre ela e os chopins ‘adotados’ é natural e só nos cabe observar. Se você tem espaço para um pequeno jardim, porém, vale plantá-lo. Com uma certeza: você não vai atrair “um tico-tico só” mas logo, logo terá “um tico-tico lá”.
Fonte G1