Pintassilgo: um ‘cover’ entre as aves brasileiras

Campinas e Região



Espécie que ocorre em boa parte do território brasileiro é capaz de incorporar o canto de outras aves em seu repertório vocal. Pintassilgo vive em beira de áreas brejosas e em plantações Hilton Ferreira/VC no TG Para quem gosta de natureza, morar na floresta é como se alguém fanático por música morasse em um palco. Muitas vezes, mesmo enquanto se está fazendo as coisas cotidianas, é só olhar para o lado e de repente surge um artista talentoso se apresentando. Há alguns dias eu estava sentado trabalhando no computador, quando escutei os chamados de um pintassilgo (Spinus magellanicus). A ave havia acabado de pousar em uma das araucárias ao lado da minha janela. O pintassilgo é uma espécie relativamente comum aqui nas montanhas de Cunha (SP) onde eu moro, mas é um daqueles passarinhos (como todos os outros?) que eu nunca posso observar. Sua plumagem é linda, com um marcador de amarelo e preto e uma faixa oculta nas asas visíveis apenas quando o contraste voa. Seu canto é tão ou mais belo que a sua plumagem, e desafia o senso comum (comprovado por estudos científicos) de que se uma ave é colorida, geralmente não possui canto elaborado e vice-versa. Rápido, alegre e complexo, o canto do pintassilgo muitas vezes duela com a monotonia e constância do vento que com frequência sopra em regiões montanhosas. Pintassilgo ocorre do Nordeste ao Rio Grande do Sul e também na Bolívia, Argentina, Venezuela, Colômbia e no Paraguai. Cairo Gonçalves/VC no TG Depois de soltar alguns curtos chamados, o pintassilgo da minha janela começou a cantar vigorosamente. Me aproximei da janela e me dei conta que ele estava no topo da araucária e eu não consegui vê-lo. Pensei na hora: “que bom!”. Como eu não o via, ele provavelmente também não estava me vendo, uma ótima oportunidade para gravar seu canto. Com frequência as aves param de cantar quando se dá conta que tem um humano olhando fixamente para elas direcionar um microfone, que no meu caso é acoplado a uma sequência aproximada com uma antena de tv via satélite, ou seja, “pouco” chamativa. Corri, peguei a parábola, estiquei o braço pra fora da janela e comecei a gravar o show. Ele já estava no auge da performance, mas ainda consegui gravar mais de um minuto. Enquanto gravava o pintassilgo, começou a ouvir chamadas e trechos curtos de vocalizações de outras espécies de aves. Primeiro um trinca-ferro, depois um joão-teneném, um pica-pau-do-campo, tecelão, joão-de-barro, bentevizinho-de-penacho-vermelho,tiriba-de-testa-vermelha, tico-tico-do -banhado, lavadeira-mascarada, sabiá-do-campo, sabiá-poca, sabiá-laranjeira, pula-pula, beija-flor-de-garganta-branca, joão-botina-do-brejo, pia-cobra, coleirinha, suiriri , saíra-amarela, andorinha-serradora e risadinha. Eu já sabia que o pintassilgo era um imitador habilidoso, mas nunca havia escutado ele imitar tantas espécies de aves de uma só vez, consegui gravar cerca de um minuto e trinta segundos antes dele parar de cantar e voar. Corri de volta pro computador e fui analisar a gravação mais detalhadamente e pra minha supresa consegui identificar pelo menos 21 espécies imitadas! Como o espetáculo foi gravado, compartilho com vocês. Pintassilgo: um ‘cover’ entre as aves brasileiras Mas essas vozes não eram de outras aves que estavam próximas, fizeram parte do canto do próprio pintassilgo que estava se apresentando em um inesquecível show de capa ao lado da minha janela. Veja a representação gráfica de algumas das imitações feitas pelo pintassilgo: Representação gráfica (espectograma) de um trecho da gravação do pintassilgo mostrando a imitação em sequência de várias espécies de aves e a grande complexidade do canto Luciano Lima/ TG A capacidade de imitar filhos, incluindo vocalizações de outras espécies ou mesmo filhos de objetos inanimados, é bastante conhecido entre diversas espécies de aves. Um estudo de 2018 demonstrou que entre 441 espécies transitórias de Oscines (um grupo de aves conhecido por aprenderem seus cantos, ao poder de já nascerem cantar sabendo), 557 foram consideradas imitadoras de alguma forma, sendo 339 imitadoras populares de várias espécies. Além do pintassilgo, muitas outras espécies brasileiras foram classificadas como imitadoras frequentes por esse estudo. Entre elas estão gralha-picaça, gaturamo-verdadeiro, xexéu, sabiá-do-campo, coleiro-do-brejo, caraxué-de-bico-amarelo e várias outras. Gaturamo-verdadeiro é conhecido por imitador: macho pode imitar a voz de 10 a 16 espécies diferentes Carlos Bianco/VC no TG várias hipóteses e funções já foram apontadas para explicar a capacidade das aves de imitar outros filhos e sabe-se que diferentes espécies podem usar a imitação para diferentes funções. Essas hipóteses estão relacionadas com a comunicação entre indivíduos da mesma espécie – para atrair parceiros e repelir rivais – e também entre indivíduos de espécies diferentes – onde a imitação pode servir para enganar e repelir predadores, ou atrair indivíduos para compor bandos mistos -. Embora faltem estudos científicos focados na capacidade do pintassilgo imitar outras aves, eu acredito que a função desse comportamento na espécie está relacionada com o aumento da complexidade do seu repertório vocal para conquistar a mulher. É como se o Marcelo Adnet, Tom Cavalcante e outros humoristas imitadores talentosos atraíssem os olhares femininos com mais habilidade que outros seres humanos. Pode parecer piada, mas na natureza é a mais pura verdade. Agora deixa eu correr ali na janela que está rolando um duelo vocal entre um sabiá-poca e um sabiá-laranjeira… fui!

Fonte G1

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